"Churchill", por R.H. Kiernan

sábado, outubro 07, 2023 Sidney Puterman


Flanando pelo interior da ilha, alguns anos atrás, entrei numa lojinha que vendia umas boinas e outras bugigangas. Legalzinha. Típico brechó para turistas. Fuçando um cachecol aqui, uma caneca da rainha ali, reparei numa estante nos fundos, meio escondida, com umas três dúzias de livros.

Não resisti, né? Esqueci os briqueabraques e fui até lá. Puxei da prateleira mais alta uma lombadinha estreita, já meio encardida pelo tempo. Nela estava escrito apenas "Churchill", sublinhado pelo nome do autor. Na base vinha o nome da editora. Harrap.

A capa não tinha texto ou ilustração. Uma trivial encadernação antiga, sem as bossas tipográficas de hoje. Abri a edição. Era uma biografia do Churchill, impressa em 1942. Ou seja, dois anos após ele ter se tornado Primeiro-Ministro. E publicada enquanto a guerra seguia a pleno vapor - e indefinida. 

"Uau", pensei, "que achado". Temi que fosse me custar os olhos da cara, mas a moça do caixa me surpreendeu: era uma bagatela. Apenas one pound, ou seja, uma libra - meros sete reais.

Já tive a satisfação de ler várias biografias narrando a longa e tonitruante vida de sir Winston Spencer Churchill. Renomadas. Desde as assinadas pelo seu biógrafo oficial, o depoimentista Martin Gilbert, àquelas mais originais, como a de Andrew Roberts, que privilegiou as tiradas bacanas do biografado. São títulos publicados já no terceiro milênio, apoiados na farta documentação do pós-guerra.

Não é o caso deste simpático livrinho, lançado no calor dos acontecimentos.

Ainda assim, o autor é profissa. Seu maior best-seller foi "Lawrence da Arábia". Fez sucesso também com as biografias de Baden Powell, General Smuts e Lloyd George. Reginald Hugh Kiernan era do ramo. E esta bio sobre o Churchill deve ter sido escrita a toque de caixa.

O texto descamba para a hagiografia. Compreensível. Imagine só. Seu país está em guerra com a Alemanha nazista e uma biografia é lançada sobre o seu primeiro-ministro, o único líder planetário a peitar Hitler. Lógico que a bio está mais para cheerleader do que para um imparcial rei Salomão.

Dito isto, entretanto, há que se olhar para a preciosidade que é a edição. Podemos até considerar que títulos como este integravam diretamente o esforço de guerra. Estimulavam a resiliência do povo inglês. Como estamos carecas de saber, a impavidez da população londrina durante os bombardeios diários daquela que foi chamada a Batalha da Inglaterra é tida até hoje como fator determinante para a vitória aliada, em um momento crítico do conflito.

Assim, a publicação é quase uma peça de resistência. Falo sobre isso mais à frente.

Embora o texto de Kiernan seja sumamente conciso, as principais passagens da movimentada juventude de Winston estão todas ali. Dos combates em que esteve envolvido à sua precoce e animada carreira de escritor e correspondente de guerra (com direito a uma foto sua, altivo, como prisioneiro dos boers).

Nada ficou de fora, nem sua acrobática participação na política inglesa, pulando entre tories e whigs (Churchill cometeu a proeza de iniciar a carreira política como conservador, mudar para o partido liberal e depois voltar para os conservadores - o que seria o funeral eleitoral de qualquer sujeito que não fosse Churchill). Essa volubilidade é tratada com generosa complacência pelo autor. 

Sua ascensão ao governo inglês e sua participação na Primeira Guerra Mundial são esmiuçadas. Já a conflagrada performance da Marinha britânica no ataque ao estreito turco de Dardanellos, alvo constante de polêmica, é tirada da conta de Churchill.

O fato é até hoje controvertido; como quem o debate geralmente o faz de forma passional, ou porque abomina ou porque idolatra Winston (vide o idiota do Patrick Buchanan, pseudo-historiador, cujo livro, "Churchill, Hitler e a guerra desnecessária" abordei no blog em março último), é perda de tempo nos ocuparmos desta thread aqui.

O que importa é que a fracassada ação naval na Península de Gallipoli foi um divisor de águas no avanço meteórico de Churchill, a partir daí relegado a funções de menor status e influência nos rumos da guerra - e algumas destas "funções" foram quase suicidas. Por escolha própria.

Mas antes vale frisar que, defenestrado do comando da Marinha, teve seus méritos reconhecidos diretamente por um dos seus principais antagonistas, o Secretário de Estado de Guerra Horatio Kitchener - um militarista adepto da conscrição obrigatória: "There is one thing at least they can never take from you. When the War began you had the Fleet ready".

Houve outras coisas que ninguém pôde tirar de Churchill - como a coragem espalhafatosa. Aos 41 anos, em plena Primeira Guerra Mundial (a maior carnificina de todos os tempos), desempregado, já gordo e careca, Winston resolveu continuar lutando contra os alemães... no front!

Pediu, e levou, a patente de major. Ao invés de se refestelar na retaguarda, foi para as trincheiras comer lama, onde, diz a lenda (e o livro também), ele por duas vezes mal havia saído do seu buraco quando o abrigo em que estava foi reduzido a cinzas por uma bomba. Fato é que Winston sempre procurou o perigo - o perigo é que não o achava na hora certa.

(Lembrando que, entusiasta da aviação como arma de guerra, não só incentivou o governo a investir numa esquadrilha pioneira, como se tornou, ele próprio, piloto; após um pouso acidentado, a família e o próprio governo o dissuadiram de pilotar novamente.)

Não foi a passeio para a linha de frente. Comandou ataque de tropas no meio da madrugada - para raiva da soldadesca - contra as trincheiras alemãs, desenvolveu táticas inovadoras de combate e participou da concepção e do desenvolvimento do tanque de guerra. Como diz Kiernan, "by February, 1916, 'Big Willie', the father of all tanks, was evolved, and passed its tests. Churchill was, therefore, one of the originators of the greatest weapon of modern land-warfare".

Bem, os tanques se tornaram mesmo uma arma decisiva na Segunda Guerra. Mas vale ressaltar que o autor, escrevendo em 1942, os considerava o estado da arte da tecnologia bélica e nem de longe imaginava o que viria a ser a bomba atômica, "inaugurada" três anos depois.

(Como você pode constatar, não vou me arvorar a tradutor aqui. Quando eu achar válido reproduzir alguma passagem do livro, vou lançar em inglês mesmo. Na maior parte das vezes, serão aspas do próprio Churchill. As palavras que ele escolhe são tão ou mais importantes do que seu significado.)

Após o fim da Primeira Guerra, Churchill retomou parte do seu protagonismo no governo. Devolveu de volta para casa cem mil alemães prisioneiros de guerra e determinou a prestação de ajuda humanitária à  derrotada Alemanha. No outro extremo, frente à Revolução bolchevique, se tornou um crítico ativo do comunismo. Dois anos depois, chegou mesmo a propor uma união tríplice entre Inglaterra, França e Alemanha para, nas palavras do autor, "salvar" a Rússia do comunismo.

Ainda que a edição tivesse sido lançada no auge da Segunda Guerra Mundial, interessante notar que o autor destacava o temperamento conciliatório de Churchill em tempos de paz, recordando o quanto ele havia sido concessivo com o inimigo.

"In 1941 Germany was the ruthless foe; yet to her Churchill had shown only magnanimity in 1918", destacou Kiernan, acrescentando que "always he had believed in fighting a war energetically and then in displaying good will in the peacemaking".

Ou seja, a carapuça de Versailles não caía bem em Churchill. Se as duras condições do tratado foram combustível para o surgimento do revanchismo populista na Alemanha, não teve a anuência do futuro primeiro-ministro. Ele conhecia bem os alemães. Até demais.

No fim da década de 20 Churchill tinha perdido espaço e relevância na política inglesa. Não por falta de atributos; e sim por excesso deles. Sua presença era uma constante ameaça aos desafetos; sua sombra obumbrava os parceiros de partido; seu temperamento era alfa +; sua verve era ferina.

E os ingleses tinham plena noção do poder demolidor da oratória de Churchill (que, muitos disseram mais tarde, venceu a guerra armado apenas do idioma inglês). Ele se valia do seu humor cáustico e certeiro contra tudo e contra todos.

Certa-feita, no Parlamento, reclamou que quando criança seus pais não o levaram ao Barnum's Circus para ver o maravilhoso homem sem ossos - julgaram que a experiência seria muito forte para ele. Então, se referindo impiedosamente ao primeiro-ministro Ransay Mac Donald, tido por fraco e "sem espinha", Churchill afirmou que "my parents judged that the spetacle would be too revolting and demoralizing for my youthful eyes and I have waited fifty years to see the Boneless Wonder".

O desossado Mac Donald foi fundador do Partido Trabalhista e foi três vezes primeiro-ministro inglês.

Convalescendo de uma cirurgia de retirada do apêndice, Churchill não se saiu bem nas eleições seguintes. Seu partido também naufragou. "In the twinkling of an eye", comentou, "I found myself without an office, without a seat, without a Party, and without an appendix".

A edição é rica na reprodução das advertências de Churchill sobre o perigo que uma Alemanha em dissimulado, mas crescente, rearmamento representava para a paz europeia. O próprio autor ressalta que, ainda no início da década de 30, "at that time the rearmament of Germany and the preparations for building a new war-machine were already in train". 

A precoce (e clandestina) reorganização da Wehrmacht é tida até hoje como se ignorada, à época. Kiernan mostra que não, descrevendo que "a large General Staff was being created contrary to treaty, the factories were being sedulously prepared for war-production, and an Air Force was being developed under the guise of civil aviation and 'air sport".

A propósito, o cinismo deste "air sport" me faz lembrar dos CACs, o certificado de armamento para caçador que o governo brasileiro autorizou a rodo. De posse de um, qualquer morador de Madureira pode comprar legalmente uns vinte fuzis pra caçar rinoceronte na esquina. Ê Brasilzão...

Mas, voltando à Europa, no fim de 1934, apenas um ano e meio após a chegada de Hitler ao poder, um Winston Churchill em desprestígio e no ocaso alertava: "Beware", frisou, "Germany is a country fertile in military surprises... It is never advisable to underrate the military qualities of this remarkable and gifted people, nor to underrate the dangers that may be brought against us".

Pois assim fizeram os ingleses e os europeus. Fizeram vista grossa aos indícios gritantes do que estava por vir. Com as anexações realizadas pelos nazistas em 1938 - a Áustria e os Sudetos -, Chamberlain voltou de um encontro com Hitler em Munique comemorando um acordo de paz, obtido à custa de muitas concessões; trato que, para Churchill, não valia uma libra furada. 

"That acceptance of Hitler's terms involved the prostration of Europe before the Nazi power, of which the fullest advantage will certainly be taken", asseverou Winston, para desgosto dos políticos ingleses, que estavam jogando purpurina no "vitorioso" Chamberlain.

Reproduzo ipsis literis estas passagens aqui porque acho que a parte mais valiosa desta singela biografia é justamente nos permitir testemunhar o momento histórico. O livro não se baseia no relato dos vencedores, nem faz eco à narrativa dominante; ele foi publicado enquanto ninguém tinha vencido e as bombas ainda caíam na cabeça das pessoas (inclusive na dos leitores).

E também não esqueça que, quando este livro chegou às livrarias, mais da metade dos sessenta milhões de pessoas que viriam a morrer na Segunda Guerra Mundial ainda estava viva.

Com a invasão da Tcheco-Eslováquia, em março de 1939, as advertências que Winston Churchill vinha fazendo desde 1932 não precisaram ser repetidas. De repente, ficou claro que Adolf Hitler não iria se contentar com nada que não fosse tudo onde ele pudesse por as botas e ter sob mira. Assim, antes desprezado, agora Churchill era o presciente, o homem que sempre soube o perigo. 

Para exemplificar a relação entre Churchill e o povo inglês, Kiernan resgasta um dito do norte-americano Mark Twain: "When I was fourteen I thought my father so ignorant I could hardly bear to have the old man around. But when I got to be twenty-one I was astonished to find how much he seemed to have learned in seven years".

Pois é...

A invasão da Polônia lançou a Grã-Bretanha na guerra - compromisso assumido com os poloneses (o qual Hitler apostava que ela não honraria). Era um estado de guerra retórico, porém. Em 1940, com a ocupação da Dinamarca e a invasão da Noruega, a passividade inglesa se tornara crítica. 

Faltava pulso. Chamberlain era um premier fraco e sem autoridade. Havia lutado com incompetente honestidade pela paz, mas não possuía a legitimidade necessária para conduzir o país na guerra.

O Parlamento, que antes apoiara Chamberlain incondicionalmente, agora o atacava. Convocado ao gabinete por sua expertise militar (para desgosto de muitos), o até então indesejado Churchill passou a integrar o governo. Orientava o primeiro-ministro. Encarnava o espírito britânico de insubmissão. Mas - vale realçar - sem a arrogância de quem diz "eu avisei..."

Kiernan destaca esse ponto, quando assinala que "Churchill stood sturdily by the Prime Minister, explaining the tactical and strategic necessities that had decided the Government's actions and vividly describing the sea-fighting".

Provavelmente reproduzindo um documento publicado à época, ou fazendo transcrição dos jornais, ele abre aspas para uma fala de Churchill aos críticos ainda remanescentes: "Let pre-War feuds die. Forget your personal quarrels. Keep your hatred for the common enemy and ignore Party interests. Harness all your energies. Let the whole ability and forces of the nation be hurled into the struggle".

Ele, mais que ninguém, sabia do que falava. O inimigo era forte, agressivo e impiedoso.

"At no time in the last war were we in greater peril than we are now", alertou.

A esta altura, com a biografia já praticamente no fim, o autor destaca que Chamberlain renuncia ao governo e que somente um nome era concebível para o cargo. Quase quarenta anos após ter chegado ao Parlamento britânico, Winston Churchill - enfim - se tornou seu Primeiro-Ministro.

E em que circunstâncias. O cenário da Segunda Guerra Mundial que havia tido início oito meses antes se tornaria radicalmente outro em exíguas seis semanas. Churchill assumiu em meio à phony war, gracejo usual à época (termo não citado no livro, e que depois se tornou recorrente). Era o que chamaríamos de "guerra de mentira". É que os ingleses haviam desembarcado na França, mas até então só atacavam garrafas de vinho e bandejas de queijo. Nada de combate.

Entretanto, como disse há pouco, em mínimas seis semanas tudo mudou. O renomado exército francês capitulou. O norte da África foi tomado pela Wehrmacht (que jamais é chamada por seu título no livro, como hoje é usual). A Itália teve sua posição no Mediterrâneo fortalecida. 

Caraca. Os boches estão invadindo geral e faltam só oito páginas para o livro acabar.

É neste instante que acontece todo aquele drama que filmes recentes vêm repisando, a heroica e quase inacreditável retirada de 300.000 soldados das praias de Dunkirk, na França, para desembarcarem em segurança no solo britânico.

O livro reproduz também o discurso feito por Churchill no rádio, que foi imortalizado e permanece tendo seus trechos repetidos, em matérias, filmes, sites e redes sociais. É aquele que termina com o até hoje antológico "This was their finest hour".

A esta altura, só havia um país no mundo contra a Alemanha nazista: a Inglaterra. Todos os demais eram submissos. Alguns periféricos eram omissos, que se auto-denominavam "neutros" (como a Suiça); outros eram convenientemente aliados, mesmo que de segunda classe. E um homem estava à frente desta isolada e solitária resistência inglesa: Winston Churchill.

"Standing alone in Europe, Britain under her great leader had to take extraordinary measures for defence, developing the Home Guard, setting up special regulations to deal with offences of military importance in invasion areas, and taking wide precautions against Fifth-Column activities", esclarece Kiernan. 

A propósito, este medo da invasão pelos teutões motivou diversos filmes do período, hoje hilários, em que caipiras ingleses saem de carabina atrás de alemães malocados no celeiro. Apesar do pânico, os nazis nunca desembarcaram na ilha (mas era parte do plano, isso é fato).

A sensação, entretanto, de ser o único país do planeta em oposição a Hitler não devia ser nada confortável. E também - nos cabe refletir agora -, se não fosse esta resistência solitária, os nazistas teriam pego a Europa toda na mão grande. E aí iria ficar difícil para os Estados Unidos, no futuro, reverterem a situação.

(Lembrando que por esta época havia entre os norte-americanos uma forte corrente de apoio aos nazis. Não faltavam nazistas e racistas por lá. O "Complô contra a América", de Phillip Roth, postado há muitos anos aqui no blog, traz um pouco dessa história.)

E uma passagem desmerecedora para todos os envolvidos foi a postura da França de Vichy, de ex-aliada à capacho subserviente à Alemanha. Com a frota francesa atracada no Mediterrâneo e a posição ambígua do governo francês (se rendendo em terra aos nazistas, mas alegando que sua frota no mar permaneceria neutra), criou-se um impasse de difícil solução: ou aceitava-se a estorinha de que os nazistas não usariam os navios franceses ou só restava aos britânicos afundá-los.

A Inglaterra instou para que a frota francesa se bandeasse para os portos ingleses; em vão. Diante da recusa, Churchill ordenou que a frota fosse posta a pique. Com os franceses dentro. Este doloroso fato histórico é pouco revisitado. Natural. Isso não dá filme de Hollywood. Não há mocinhos. 

"This is no time for weakness", afirmou Winston, de forma pesarosa e assumindo a responsabilidade pela matança. "It is the supreme hour to which we have been called".

Em 4 de julho ele compareceu ao Parlamento para expor as motivações que o levaram a afundar os navios franceses. "I leave the judgement of our action, with confidence, to Parliament. I leave it to the nation, and I leave it to the United States. I leave it to the world and history".

Deixou mesmo. Mas nada garantia que seria assim. Os ingleses passaram perto da derrota - e aí a história seria contada de outra forma. Não só no hemisfério norte; aqui também. Em 1940 a Argentina estava totalmente atrelada à Alemanha. O Brasil tinha o Sul polvilhado de células nazistas e um governo abertamente inclinado a apoiar os alemães. A narrativa seria muito diferente.

(Até Petrópolis teve um forte núcleo de apoio ao nazismo, como recente exposição realizada no Museu Imperial demonstrou.)

"At the end of August, 1940, Churchill could review what had happened outside and within Britain", relata Kiernan, que relaciona a extensão do avanço nazista. "Belgium and Holland have been overwhelmed; France defeated, and with all her great stores of material and her arsenals in German hands, had completely deserted Britain; the Western seabord from the North Cape to Spain, held by the Germans, gave ports and airfields from which attack or invasion could be launched".

As previsões eram as mais sombrias. "Bombers, escorted by fighting aircraft, could reach Britain from many directions in a few minutes, and the German Air Force was numerically stronger".

A resistência britânica esteve por um triz. A partir de agosto de 1940 foi travada a Batalha da Inglaterra (à qual me referi no início), onde os alemães investiram no bombardeio maciço das cidades inglesas. Os céus do Canal da Mancha se tornaram o campo de uma disputa infernal.

Os dois times envolvidos eram a RAF, a aviação inglesa, contra a Luftwaffe, a aviação alemã - em número muito superior de aeronaves e contando com o fator surpresa. A contenda começava quando os boches chegavam despejando suas bombas.

Vale contextualizar: com a Europa de joelhos em menos de um ano de guerra, Hitler apostou que a destruição de Londres e outra meia-dúzia de grandes cidades britânicas seria suficiente para levar a Inglaterra à rendição. O clamor popular, diante de casas, ruas, colégios e instituições em chamas, seria suficiente para forçar o teimoso Churchill a jogar a toalha.

Porém, ao contrário do que esperavam os alemães, o povo inglês se revelou um osso duro de roer - e reagiu com fleugma tipicamente britânica ao bombardeio diário. Marcavam o chá e reuniões de trabalho para "depois do bombardeio". O livro é um bom registro do momento.

Após superado o período em que a Grã-Bretanha esteve mais vulnerável, Churchill, como praxe, falou pelo rádio. O velho bulldog tinha o dom de provocar o brio e elevar a confiança da população. Não amenizava os fatos e convocava o cidadão para o sacrifício coletivo.

(Nunca é demais lembrar que neste momento o cotidiano do povo civil eram os incêndios, o bombardeio e o racionamento.)

"If we had been confronted at the beginning of May with such a prospect", disse Churchill, "it would have seemed incredible that at the end of a period of horror and disaster, or at this point in a period of horror and disaster, we should stand erect, sure of ourselves, masters of our fate, and with the conviction of final victory burning unquenchable in our hearts. Few would have believed we could survive; none would have believed that we should to-day not only feel stronger but should actually be stronger than we have ever been before."

Eu disse lá em cima que o livro estava terminando. E estava mesmo. Não faltam nem meia dúzia de páginas, mas cada parágrafo exorta o cidadão inglês para ao esforço de guerra.

E, como parte da tarefa, exalta repetidamente o tamanho da façanha inglesa. Como de hábito, Kiernan dá voz a Churchill: "The resistance of the British Empire to Nazidom kindled hope in the hearts of millions of dowtrodden and despairing men and women throughout Europe and the world."

Eu estou deliberadamente reforçando o foco na Batalha da Inglaterra porque me parece que, aqui, não damos a devida dimensão a este momento do conflito. Ele acaba ofuscado por Stalingrado, pela guerra no deserto, pelo Dia D, pela libertação da França ou pela tomada de Berlim.

Mas é provável que nenhum destes eventos tivesse acontecido se a Inglaterra tivesse perdido esta batalha. Acaba passando batido que houve um instante em que o último bastião da resistência a Hitler na Europa esteve por um fiapo. Foi esta batalha. O bombardeio de Londres. Quando, após o acachapante sucesso da blitzkrieg, em onze meses a Alemanha tinha todo o continente prostado a seus pés - exceto os ingleses.

Então o registro feito por esta edição da Harrap, escrita poucos meses após os ataques, é precioso. E do qual me pauto em citar alguns trechos emblemáticos, até mesmo para recorrer mais facilmente às principais passagens do livro - para quando eu e você quisermos resgatar um momento ou outro.

"Churchill expected the aerial attack to grow more intense", assinala Kiernan. "Hitler, he said, had boasted so much of his Air Force and of the number of British aircraf destroyed that he would continue his assault as long as he had strength to do so."

"Up to the end of August the RAF had smashed every attack in daylight on England", destaca o autor. "If Hitler could win the daylight mastery of the air, invasion would follow", afirma. Mas a força aérea britânica (com o inestimável auxílio de uma brigada polonesa de pilotos, o Esquadrão 303 - o Polskie Sily Zbrojnie Na Zachodzie, acrescento eu) dizimou os chucrutes no ar.

O livro traz a contabilidade do combate. Em agosto, os alemães perderam 562 aviões, contra 219 ingleses (com 132 pilotos tendo sido salvos). Em setembro, os alemães perderam 885 aviões - sendo 185 deles apenas em um dia, 15 de setembro, em um ataque nazista que reuniu 500 aeronaves bombardeando Londres.

Em noventa dias, os alemães perderam 2.375 aviões. As perdas humanas dos nazistas foram na proporção de dez para um.

Nem mesmo a melhor máquina de guerra do mundo estava preparada para tolerar este nível de perdas. Kiernan observa que "the skill, courage, and devotion of the airmen were turning the tide of war".  E destaca que "outnumbered and constantly in action, they smashed the great Luftwaff formations again and again".

Foi sobre esta performance que Churchill disse as palavras que acabaram eternizadas: "Never in the field of human conflict was so much owed by so many to so few". Bom nisso, o tal do Churchill.

Na prática, a biografia é interrompida para reportar a situação de guerra. E acaba por aí, de repente, como não poderia ser diferente - já que nem Churchill, nem a guerra, tinham acabado. 

E eu vou terminar esse post do mesmo jeito. Abrindo aspas para Winston Spencer Churchill.

"No one can predict, no one can even imagine, how this terrible war against German and Nazi aggression will run its course or how far it will spread or how long it will last. Long, dark months of trials and tribulations lie before us. Not only great dangers but many more misfortunes, many shortcomings, many mistakes, many disappointments will surely be our lot."

"Death and sorrow will be the companions of our journey; hardship our garment; constancy and valour our only shield. We must to be united, we must to be undaunted, we must be inflexible. Our qualities and deeds must burn and glow through the gloom of Europe until they become the veritable beacon of its salvation."

Essa guerra foi o inferno. Ainda bem que a gente venceu.

George G. Harrap & Company Ltd, 212 páginas

P.S.: Escarafunchei no google, mas não consegui descobrir a data da primeira publicação do livro. Meu exemplar é uma reimpressão, datada de 1942. Acredito que o texto tenha sido escrito ao longo de 1941.

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

0 comentários: