"A caixa-preta", por Amós Oz
O romance do aclamado escritor israelense Amós Oz, lançado em 1987, parte de uma estrutura narrativa original. É um livro sem narrador e sem diálogos. É composto apenas por uma sucessão de correspondências, trocadas entre os quatro protagonistas (Ilana, Alec, Sommo e Boaz) e mais meia-dúzia de personagens, que orbitam ao seu redor.
Falando do romance, seu início apresenta os protagonistas debatendo sobre o filho (até então não reconhecido pelo pai), Boaz. Crescido um adolescente problema, o filho rejeita os pais. Michael Sommo, um professor sionista e segundo marido de Ilana, é quem consegue domar o moleque.
Manfred Zacheim é o advogado de Alec Guideon e um leva-e-traz entre seu cliente e o núcleo familiar da ex-esposa. Já Alec Guideon é um escritor internacionalmente respeitado, e que herdou a fortuna do pai, interditado em um asilo.
Com base nesta espinha dorsal, o roteiro se desenrola, com a trama avançando lentamente, enquanto o perfil psicológico dos personagens nos é apresentado. As cartas são chumbo trocado. Acusatórias, reivindicatórias. Um barraco postal.
Passadas algumas dezenas de páginas, porém, a fórmula perde fôlego. As cartas são longas e prolixas. O formato acaba cedendo - diálogos, pretensamente memorizados pelos missivistas, são reproduzidos ipsis literis, o que frauda o propósito original
Quanto mais o livro avança, mais a originalidade rascunhada na primeira parte do livro é engolida pelo estilo sentimentalóide do autor, que gosta de uma sucessão de reminiscências piegas e frugais. Gasta páginas e páginas enumerando tolices da convivência banal à guisa de mostrar como, por trás da rispidez das cartas, os personagens são humanos e se amam. Me enjoa.
O romance mal resolvido entre Alec e Ilana é chato, verborrágico. O não reconhecimento do filho seguido do súbito amor desmedido do pai pelo filho é chato, demasiado. As picuinhas entre os personagens se repetem, de forma estereotipada.
Ou seja, é uma mistura de "O povo na TV" com comercial de margarina.
Pior ainda é que, quanto mais o texto avança, mais as cartas encorpam (houve uma que tomou vinte e três páginas!) e menos há diferenciação entre elas - à medida em que se estendem, parecem todas escritas pela mesma pessoa. Ok, Pedro Bó. São, né. O autor é um só. A ideia, porém, era serem personalidades diferentes, que se expressassem de forma distinta.
Você pode entender minhas opiniões como uma crítica pesada. Ou dizer que tenho pouca paciência para o lirismo. Pode ser. Mas minhas expectativas para este título eram maiores.
Certa vez, notando um livro que eu lia, uma mulher me abordou. Pelo título do livro, ela pressupôs um tema que não tinha nada a ver com o conteúdo em si. Expliquei, mas ela não gostou da resposta e me perguntou: "Então, por que o livro tem esse título?"
Pensei e respondi: "sei lá". Ela me olhou com desdém, como se eu fosse analfabeto. Confesso que eu nunca tinha achado importante saber porque este ou aquele livro tem o nome x ou y. Sempre achei que era que nem nome de cachorro. O dono dá o nome que quer e pronto.
Mas a dona me traumatizou. Então adianto logo: em uma das cartas trocadas, a personagem mulher Ilana diz que o personagem homem Alec falou certa vez: "Como depois de um desastre de avião, deciframos juntos, por correspondência, a caixa-preta de nossas vidas".
Em seguida, ela mesma comenta: "Não deciframos nada, Alec. Apenas trocamos dardos envenenados". Pois é. Era isso. Viu? Xôxo. Eu disse que o livro era meio assim-assim. Agora se a tal dona aparecer e me perguntar o porque do livro se chamar "A caixa preta", a explicação taí.
Ao menos dessa eu escapei.
Companhia das Letras, 301 páginas
P.S.: "De amor e trevas" e "O mesmo mar", também de Oz, já aguardam pela leitura na prateleira. Os adquiri há tempos. Hummmm... mas acho que vão ficar mais um pouquinho por lá.
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