"The Jews of Warsaw, 1861 - 1943", por Anka Grupinska e Bogna Burska
O livro é uma rara compilação de fotografias da comunidade judaica de Varsóvia.
Não era pequena. No início do século passado, seu total girava em torno de 350.00 pessoas, montando a 30% da população da cidade. Isto fazia da capital polonesa o maior núcleo judaico da Europa. E também o segundo maior do mundo, atrás apenas de Nova York.
A série de imagens açambarca um leque de oito décadas e é dividida em quatro períodos: 1861 a 1900; 1900 a 1918; 1918 a 1939; e 1939 a 1943.
Os dois primeiros períodos, cobrindo quase sessenta anos, se caracterizam por uma coleção de retratos pessoais. São todas imagens posadas de famílias judias. Podemos ver nelas orgulhosos representantes de instituições judaicas - políticas, religiosas e culturais.
Já o terceiro grupo é formado por flagrantes da cidade. Ruas, mercados, lojas, casas de espetáculos, ações esportivas, passantes, testemunhando a intensa atividade dos judeus de Varsóvia. A propósito, as duas fotos acima, que ilustram o post, pertencem a este grupo.
O quarto e derradeiro capítulo é um triste registro da Varsóvia subjugada, sob ocupação alemã. Exibe as restrições, o gueto, os assassinatos, o Levante e sua destruição final.
Observando a alegria de tantas pessoas felizes em seus retratos familiares - na primeira parte da publicação -, inevitável a angústia por saber que os fotografados, se ainda vivos no início da década de 40, seriam violentamente espoliados, confinados e mortos.
A edição nos permite reverenciar aqueles que não sabiam o fim que os esperava. Por isso mesmo, vê-los em sua descontração, em sua vaidade, até mesmo em sua miséria, nos transporta para um passado enganoso, onde sua completa ignorância do que viria a acontecer nos assusta e aflige.
Como ressalvam as autoras, não há unidade entre as centenas de fotos, senão a representada pelo fato de elas terem sobrevivido ao tempo. São flagrantes raros de uma comunidade deliberadamente extinta - desaparecimento que previa eliminar, inclusive, todos os seus registros.
Não convinha ao ocupante nazista a sobrevivência de nenhuma evidência material do genocídio.
As imagens dos álbuns, como já mencionei, têm diversos protagonistas, colhidas em diferentes circunstâncias e com objetivos variados. Mas oferece um rico panorama de uma população ceifada e de um lugar que não existe mais. Grupinska e Burska são assertivas em sua definição:
"Nós produzimos um álbum sobre pessoas. Nós criamos uma exposição de fragmentos e destinos. Destinos individuais, não um destino coletivo. Ao longo do tempo e através da História os nossos personagens se referem a si mesmos por uma diversidade de nomes, seja privilegiando sua identidade cultural, nacional ou religiosa", explicam.
São "ortodoxos, judeus, israelitas, judeus convertidos, mekhes, polonês de fé judaica, judeu católico, judeu polonês, polonês judeu, polonês de ascendência judaica, judeu e polonês", enumeram as autoras, que talvez tenham se inspirado no texto "Yizkor" ("Lembrar"), da escritora judia Rachel Auerbach, uma das únicas três sobreviventes do grupo Oyneg Shabes.
O grupo, organizado pelo historiador Emmanuel Ringelblum dentro do Gueto de Varsóvia, reuniu centenas de colaboradores, comprometidos em registrar por escrito os próprios sentimentos e o que testemunhavam.
Os relatos destas testemunhas foram enterrados em barris de leite, sob o gueto, e sobreviveram à guerra. Falo deles em seguida, no post "Quem escreverá a nossa História?", de Samuel Kassow, que, em uma passagem, comenta o trabalho de Auerbach sobre Varsóvia e sua população judia.
"Ela abriu a alma ao tentar descrever o massacre do judaísmo de Varsóvia: os bebês mal começando a andar, as crianças das escolas do gueto, os rijos operários judeus, as mulheres endurecidas em suas pequenas lojas de varejo, os jovens escoteiros, os casais namorando, os intelectuais, todos mortos, mortos", diz Kassow, ressaltando que "mesmo que alguns sobrevivessem, o mosaico vibrante, barulhento e variegado do judaísmo de Varsóvia fora destruído".
"Yizkor' humanizava as vítimas ao rememorar não só sua individualidade", reforça Kassow, "mas também a cidade em que moravam, o meio urbano específico que lhes dera forma, tornando-se 'Varshever".
"Nós procuramos um denominador comum que pudéssemos incluir todas estas pessoas", acreditam as autoras. "Acreditamos que uma que qualquer um deles concordaria seria que eram todos Varsovians. Todos eles tinham ligação com a cidade. Foi lá que eles morreram, porque os alemães os chamaram judeus, porque a História reservou para eles um destino coletivo."
"The Jews of Warsaw", uma bem cuidada edição trilingüe - em polonês, alemão e inglês -, foi um presente que recebi da minha amiga polonesa Ewa Bobala, que conhecia meu interesse sobre o tema. Obrigado, Ewa, pela carinhosa lembrança e pelo longo itinerário que esta publicação teve que cumprir até chegar às minhas mãos no Brasil.
Dziekuje :)
Zydowski Instytut Historyczny, 299 páginas (2a edição) | Copyright 2003
Título original: "Zydzi Warszawy 1861 - 1943"
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