"Botafogo: entre o céu e o inferno", por Sergio Augusto

terça-feira, julho 19, 2011 Sidney Puterman

Bem, adianto logo que isso não é um mero post. É uma declaração de amor e uma tese. E uma reverência ao escritor. O maior mérito do livro de Sergio Augusto é deixar claro que o Botafogo é um time pequeno – ainda que o autor, dono de um estilo elegante, não o classifique assim. Mas, acompanhando a sua trajetória, salta aos olhos que ao longo dos seus primeiros cinquenta anos de existência o clube tenha tido tão somente três momentos de brilho: em sua tenra infância, ao conquistar os títulos de 1907, 1910 e 1912; às vésperas da conturbada divisão federativa entre os times hipocritamente amadores e os assumidamente profissionais, de 30 a 35, quando, com um elenco comandado por Carvalho Leite, o clube conquistou 5 títulos em 6 campeonatos; e a inesperada conquista de 48, quebrando a hegemonia do Expresso da Vitória vascaíno. Não há como equiparar sua história às dos demais clubes tidos por “grandes”, se fixarmos nosso olhar na era pré-Maracanã. É a partir daí, entretanto, que a obra dá uma “entortada” no entendimento do leitor, como Gualicho, ops, Garrincha (a primeira manchete sobre o ponta-direita grafou errado seu nome) tanto fez em campo: ela nos revela que, com o surgimento do aleijado de Pau Grande, e o aporte simultâneo de uma leva de craques (pelas mãos de um grupo apaixonado de dirigentes, crias da devoção de Carlito Maia, antigo e folclórico presidente do clube), o time conquistou o Carioca de 57 - aplicando um 6x2 no até então favorito Fluminense - e se tornou, em 58, a base da Seleção que tomou a primeira Copa do Mundo para o Brasil. Os quatro anos seguintes ratificaram súbita, acachapante, subida ao panteão: bicampeão carioca em 61 e 62, o time foi o principal responsável pela conquista do bicampeonato mundial, com a brilhante participação do garoto Amarildo, o Possesso (que substituiu Pelé e fez gols fundamentais), e a reafirmação dos veteranos Nilton Santos, o maior lateral-esquerdo de todos os tempos; Didi, eleito antes o melhor jogador da Copa de 58; Zagalo, o Formiguinha, executor de uma inovação tática, o ponta que era meio-campo;  e Garrincha, que na ausência do Rei fez tudo que ele e Pelé deveriam fazer juntos, ou seja, trouxe o caneco. Esses anos de conquistas consecutivas modificaram o status do Botafogo, que, graças ainda ao imbróglio do amadorismo em 34, já se destacava como o clube brasileiro que mais cedera jogadores para a Seleção na disputa das Copas. Bem, dizem que um raio não cai duas vezes em um mesmo lugar. Mas, à medida em que esse grupo incomparável do futebol mundial entrava no ocaso, uma nova fornada de craques excepcionais emergia das categorias de base. Com Zagalo como treinador, um ataque formado por Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César, municiados por Gérson, o Canhotinha de Ouro, contratado ao Flamengo, conquistava o bi carioca de 67 e 68 – e estariam todos eles, sem exceção, na mais festejada seleção campeã de futebol de todos os tempos: a Seleção Brasileira de 1970 (Rogério, contundido, foi cortado, porém mantido no grupo que foi ao México). Nela, Jairzinho, o Furacão, se tornou o único jogador da história das Copas a marcar gols em todos os jogos, incluindo a final. Observada sob uma perspectiva histórica, se encerra aí a bolha de grandeza desse pequeno time: em 12 anos, um hiato no século futebolístico, ele se transformou de força de médio porte de um futebol regional (de um país sem títulos mundiais) em um clube tão grande quanto ou maior que seus rivais. O Botafogo é uma distorção histórica que mudou de patamar o futebol brasileiro. É a mística advinda dessa contribuição que hoje envolve e transcende o Botafogo, que nos últimos quarenta e poucos anos retornou à sua sempiterna mediocridade: os seis títulos cariocas (incluo o municipal invicto de 1996), o brasileiro e outros títulos eventuais – como o Rio-São Paulo e a Comembol – que levantou nessas quatro décadas foram com brilho escasso e fugaz, via de regra contra equipes mais talentosas, mas que acabaram tropeçando pelo caminho. Vem sendo assim; e nada mais. Em toda uma vida, poucas noites e alguns bailes – entretanto, inesquecíveis. Performances e jogadores que mudaram para sempre a história do esporte. A magia desses bailes de Cinderela conduziram a maltrapilha Gata Borralheira de General Severiano à realeza e ao primeiro plano do futebol mundial. Se a posteridade lhe fez alvo de chacota, essa dúzia de anos deixou por herança o único fator de sobrevivência no mercado: uma torcida gigantesca e apaixonada. Verdade que órfã, mas produtiva, pois seu potencial econômico lhe concede o sonho de um outro ciclo de vitórias (no oitavo ano da era Maracanã tudo mudou; não será o Engenhão o trampolim para um nova era? torçamos). Por isso, poucas vezes um título definiu tão precisamente um biografado: entre o céu e o inferno. Esse é o Botafogo que emerge do livro de Sergio Augusto - para quem se dispõe a lê-lo com acurada atenção, sem prejuízo da emoção. Até porque, sem essa última, não se entende rigorosamente nada de futebol. Principalmente desse time singular chamado Botafogo.

Editora Ediouro, 235 páginas


P.S.: Dedico essa carta de amor, disfarçada de resenha, ao meu pai, que, se estivesse vivo, completaria hoje 85 anos. Botafoguense passional, jogador do time de aspirantes do clube na década de 40 (pelo menos nas histórias dele), juiz de futebol de praia em Copacabana, nascido em Varsóvia e registrado no Catete - que Deus o tenha, guarde e ilumine.

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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