"Filho do Hamas", por Mosab Hassan Yousef

quarta-feira, fevereiro 28, 2024 Sidney Puterman




Nunca tinha ouvido falar desse cara. Mosab Yousef. Mas o fato é que a guerra entre Israel e o Hamas abriu espaço para nomes desconhecidos que tivessem qualquer coisa a ver com o conflito. Mosab foi apresentado na mídia com o apelativo título de "o filho do fundador do Hamas". As chamadas para uma entrevista no horário nobre, na emissora de maior audiência, me chamaram a atenção.

Sou cético por natureza. Vejo desconfiando do que vejo. Leio desconfiando do que leio. Para me sentir à vontade com o tema, preciso destrinchá-lo. Descobrir se há algo por trás. Boa parte das vezes o conteúdo já trai a (má) intenção de quem fala ou escreve. Mistificações, interesses pessoais, tentativas de manipulação - tudo isso salta aos olhos, quando lemos nas entrelinhas.

Às vezes não dá para "ver" e temos que recorrer a uma boa pesquisada, um aprofundamento maior para decifrarmos com segurança se o que estamos vendo/ lendo merece credibilidade. Assim, com tudo isso em mente, fui assistir a entrevista do tal "filho do Hamas". Com os dois pés atrás. 

Ainda mais porque ele era apresentado como um "traidor" do Hamas, que teria trabalhado como agente secreto para Israel. Parto do princípio óbvio que nenhum traidor é confiável - é o primeiro raciocínio de qualquer um, e eu não sou diferente. Mesmo assim, fui ver a tal matéria com o Mosab.

Com cinco minutos de entrevista, eu estava surpreso. Articulado, direto, despojado, Mosab Yousef não parecia se encaixar em nenhum estereótipo. O que ele dizia era convincente. E humano: era contra a guerra e contra o terrorismo. Se declarou a favor de dois Estados - um palestino e um judeu.

Yousef fazia sentido.

Na entrevista, ele comentou sobre um livro que escrevera dez anos atrás. Ansioso por entender melhor quem era aquele sujeito, se era confiável ou não, se era uma farsa, uma peça de propaganda de Israel ou um pacifista legítimo, ele me deu de bandeja como eu iria descobrir.

Lendo o livro.

Antes de mais nada, temos que aceitar que a mídia, e principalmente agora as redes sociais, trabalham com estereótipos. São mais fáceis de processar e digerir. É a dicotomia mocinho-bandido. Assim, sob a lente dessa dualidade simplificadora, "entendemos" logo do que se trata. Voltando à ideia anterior, se Mosab é palestino e espiona para os israelenses, ele é traíra. O sujeito mau.

Pior ainda. O cara traiu o pai. O pensamento agitado já deduz: "É a ovelha negra da família."

Pois nada mais longe da verdade. O livro é, acima de tudo, uma ode de amor e de reverência ao pai. Parece contraditório, não é? Pois é. As pessoas de carne e osso têm muitas nuances. Assim o leitor vai desvelando as particularidades da personalidade de Mosab à medida em que avança no livro. Mas aqui precisamos estabelecer um ponto.

O Mosab Yousef, o "Filho do Hamas", apareceu na (nossa) mídia agora, em outubro de 2023, por conta do ataque terrorista do Hamas. Isso dá às suas palavras e ao seu livro um cunho oportunista. A questão, porém, é que o livro foi escrito e lançado em 2010. Há treze anos atrás. 

Sem oportunismo ou sensacionalismo. A gente só nunca tinha ouvido falar no cara, nem no livro.

O Mosab que essa pequena bio, publicada em 2010, descreve era um garoto palestino de boa índole, racional e reflexivo. Adorava - e ainda adora, como eu disse acima - o pai, Hassan Yousef (a propósito, pelo seu relato, todos adoravam Hassan: generoso, tranquilo e devotado ao Islã).

"Meu nome é Mosab Hassan Yousef. Sou o filho mais velho do xeique Hasan Yousef, um dos sete fundadores do Hamas. Nasci na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, e faço parte de uma das famílias islâmicas mais religiosas do Oriente Médio".

Assim Mosab abre o primeiro capítulo. Após algumas digressões históricas, ele nos conta como o pai vivia para a religião e para a família. Mosab queria ser como o pai.

O pai fundou o Hamas como uma instituição religiosa e filantrópica, em uma Palestina que era um barril de pólvora. Aos poucos, o Hamas ganhou o respeito da população e passou a ter relevância política. Se tornou uma alternativa confiável à OLP e à ANP, ambas tidas por corruptas.

Quando um braço do Hamas começou a combater Israel com violência, Hassan, pai de Mosab, não participou. Mas nunca condenou ou procurou restringir as ações violentas. Apesar de "pacífico", era bastante visado por Israel. Assim, por ser notoriamente um fundador do Hamas, Hassan passou boa parte da sua vida em prisões israelenses. Nunca reclamou, porém, ou sequer reportou à família o que suportava na prisão.

Mosab conta que, como filho mais velho de uma família em que o pai passava a maior parte do tempo preso, se tornou uma espécie de pai postiço para os seus irmãos. E também arrimo de família. A despeito da projeção que o pai possuía, e dos muitos tios de Mosab politicamente bem situados, a cada vez que o pai ia preso, ele, a mãe e os irmãos eram acintosamente abandonados.

Quando o pai retornava para casa, refluíam todos. As mesmas reverências, o mesmo respeito. Assim que os israelenses prendiam novamente seu pai, todos sumiam. Não havia dinheiro. Sentiam fome. Mosab passou a vender nas ruas os doces que a mãe preparava. Os tios o proibiram quando souberam. Era humilhante, disseram. Mas não lhe davam os meios para subsistir na ausência do pai.

Mosab era guri na época da Primeira Intifada. Garotos palestinos ganharam as manchetes do mundo tacando pedras em tanques israelenses. Davi contra Golias. Mosab era um deles. Odiava os judeus.

Jogar pedras em judeus, entretanto, era pouco para Mosab. Ele queria sangue. Vingança histórica. Queria matar os judeus. Para isso, precisava de meios. Adolescente, não tinha espaço na organização, mesmo sendo filho do xeique. O próprio pai queria que ele se concentrasse apenas nos estudos. Mas ele queria participar também da guerra contra Israel.

Conseguiu de um primo um contato com um vendedor de armas de segunda mão. Com o dinheiro que economizara, comprou uma pistola e uma metralhadora. Agora sim ia exterminar os judeus. Nos preparativos para o atentado com o qual sonhava, testou as armas. A metralhadora não funcionava. Antes que pudesse exigir o dinheiro de volta, foi capturado pelo serviço secreto de Israel numa blitz.

Foi espancado, torturado e mantido por semanas em uma solitária infecta.

Como era praxe do serviço secreto, após o período de tortura, os presos palestinos, de acordo com sua utilidade potencial, passavam por uma tentativa de cooptação. Os israelenses queriam espiões. Mosab ignorou a oferta.

Foi cumprir sua pena em uma prisão coletiva. Lá, como aqui, os presos são distribuídos pela sua facção. A de Mosab era o Hamas, a maior e mais poderosa (outras eram o Fatah, a Jihad Islâmica e a FDLP/FPLP). Na prisão foi que conheceu de fato como era a organização. O Hamas. Não aquele em que seu pai era um líder da face religiosa do grupo. O Hamas que detinha poder político e militar.

Não era o que ele esperava.

O que Mosab encontrou na prisão foi um sistema despótico, arbitrário e violento. Administrado pelo Hamas, que aterrorizava a todos os detentos. Mas não a ele.

"Por ser filho do xeique Hassan, eu estava acostumado a ser reconhecido em todos os lugares aonde ia", esclarece. "Se ele era o rei, eu era o príncipe, o herdeiro legítimo, e era tratado como tal".

O irmão do seu pai, Ibrahim Abu Salem, estava na mesma prisão, sob detenção administrativa. Era um dos maiorais da cadeia e tinha autorização para circular por todo o campo. Mosab e o tio tinham uma relação apenas cerimoniosa; mas, ainda assim, só isso já reforçava a segurança do "príncipe".

Mesmo estando "imune" à agressão física e psicológica dos maj'd (os xerifes do Hamas na cadeia), Mosab achava o sistema injustificável. Todos os detentos tinham que se comportar rigorosamente dentro dos preceitos do grupo. Quem falhasse em qualquer um dos rituais diários prescritos (despertasse atrasado, ou cochilasse durante uma oração, demorasse um pouco mais no banheiro etc) "ganhava um ponto vermelho". 

Quando um sujeito acumulasse um determinado número de pontos vermelhos, os maj'd mandavam todos os detentos saírem da tenda, traziam o "infrator", aumentavam o som da tv (para abafar os gritos) e davam início ao corretivo. Se havia suspeita de que o punido "falava muito", e tivesse passado alguma informação aos israelenses, a tortura era semanal.

Um dos presos explicou à Mosab os castigos mais comuns. "Eles costumam por agulhas sob suas unhas e derreter bandejas de plástico sobre sua pele", revelou. "Às vezes, colocam um grande bastão atrás dos seus joelhos e o fazem ficar agachado por horas e não o deixam dormir".

Para o Hamas, todos os detentos eram suspeitos, e por isso eram todos continuamente vigiados. E, mesmo sendo o "príncipe", o autor confessa que "tinha medo de cometer um erro, de me atrasar, de continuar a dormir depois da ordem de despertar ou de cochilar durante a jalsa".

Mosab esclarece que "se alguém era 'condenado' pelos maj'd por ser colaborador, sua vida acabava, a vida de sua família era destruída, e seus filhos, sua mulher, todos o abandonavam". Muitas vezes o condenado era inocente, mas só o fato de ter sido acusado era a exclusão absoluta. "Ser tachado de colaborador era a pior reputação que alguém podia ter", diz o palestino. 

Muitas vezes a punição ia além da tortura e da exclusão. De acordo com o autor, de 1993 a 1996 o Hamas assassinou, dentro das prisões israelenses, 16 suspeitos de colaboração.

A vergonha imposta aos que eram poupados da execução fazia deles párias dentro da sociedade palestina. Eram obrigados a assinar confissões admitindo perversões sexuais. Por conta da boa caligrafia, Mosab as escrevia, para que os detentos as assinassem. 

"Eu passava meus dias copiando dossiês sobre prisioneiros", explica Mosab. "Os relatórios se assemelhavam ao pior tipo de pornografia. Homens que confessaram ter feito sexo com a própria mãe. Um detento que declarou ter feito sexo com uma vaca. Outro, com a filha. Um outro, com a vizinha, tendo filmado tudo e dado as imagens aos israelenses".

A obsessão pelo sexo revela muito mais sobre os carrascos que ditavam as confissões do que sobre os pobre coitados que as assinavam. Revela, sobretudo, a cultura primitiva da região.

"Para mim, aquilo parecia loucura", escreveu. "Enquanto continuava a copiar os arquivos, percebi que, sob tortura, os suspeitos eram questionados sobre assuntos que não tinham como conhecer, mas que, mesmo assim, davam as respostas que achavam que os torturadores queriam ouvir".

Mosab reencontrou na cadeia Akel Sorour, um antigo amigo de infância. Se o passado os unia, no presente, porém, Akel estava em situação oposta à de Mosab - era órfão e sua família se resumia a uma irmã. "Isso o tornava muito vulnerável, porque não havia ninguém para vingar sua tortura", esclarece Mosab. Embora fosse membro de uma célula do Hamas e já tivesse sido preso várias vezes, ele era rejeitado pelos prisioneiros urbanos da organização.

"Por ser um simples camponês, seu modo de falar e comer parecia engraçado para os outros que se aproveitavam dele", relata. "Akel tentava de todas as maneiras ganhar a confiança e o respeito dos prisioneiros, cozinhando e limpando para eles, mas era tratado como lixo, pois os outros sabiam que ele os servia porque tinha medo".

Uma vez por mês, as famílias podiam visitar os prisioneiros e levar comida para eles. Akel ganhou duas sacolas da irmã. Ao voltar para a seção, porém, foi levado pelos maj'd para interrogatório. A comida foi extorquida dele e servida para o tio Ibrahim e para outros maj'd. Akel já tinha trabalhado para o tio, pensou Mosab, e até mesmo preparado a comida dele. Não entendia porque Ibrahim não tinha impedido a arbitrariedade.

"Olhei para meu tio e me perguntei por que ele não os deteve. Estivera na prisão com Akel várias vezes, os dois haviam sofrido juntos", questionou. "Será que permitiria a tortura por ele ser um camponês pobre e calado de um vilarejo e meu tio ser da cidade?"

Mosab registrou que "Ibrahim Abu Salem ficou sentado com os maj'd, rindo e comendo os alimentos que a irmã de Akel levara". Enquanto isso, "outros integrantes do Hamas enfiavam agulhas sob as unhas do rapaz".

"Mais tarde, me entregaram seu dossiê para copiar", descreve. "Segundo o relatório, ele confessara ter feito sexo com todas as mulheres da aldeia e também com burros e outros animais. Eu sabia que tudo aquilo era mentira, mas copiei o arquivo e os maj'd o enviaram para o seu vilarejo. A irmã o deserdou e os vizinhos se afastaram".

Akel, que já ficara irreconhecível após a tortura, definhou. Passou a evitar Mosab.

O filho de Hassan julgava os mad'j piores que qualquer colaborador. Estava confuso.

Toda a religiosidade que herdara do seu pai parecia disassociada do Hamas real. A proposta que ouvira do Shin Bet - o serviço secreto de Israel - passou a ser intimamente avaliada. O que os israelenses lhe propuseram foi que contribuísse, sob a alegação de que isso ajudaria a evitar a morte de inocentes palestinos e judeus. 

Ainda que a possibilidade de salvar vidas lhe fosse atraente, Mosab não fazia ideia de como poderia colaborar. Era um garoto, sem acesso a nenhuma informação. Mas a ideia começou a girar na sua cabeça, aumentando a sua confusão.

Lendo a biografia, me pareceu que o abalo das convicções religiosas de Mosab são o cerne da sua história. Nós, distantes deste conflito singular e das culturas que o envolvem, temos escassas ferramentas para aferir com precisão o que pensam os locais. Nossa realidade carece de pontos de contato com a realidade deles. Nossa relação com a religião é outra. 

Seja como for, fundamental para que possamos bem avaliar a situação é conhecer o relacionamento e o sentimento entre pai e filho - o fundador do Hamas e o alardeado "filho do Hamas". Para tanto, vou transcrever alguns trechos em que ele se refere ao pai.

"Meu pai nunca me ensinou a odiar, mas eu não sabia como evitar esse sentimento. Embora ele protestasse calorosamente contra a ocupação - e acredito que ele não hesitaria em ordenar um ataque nuclear à nação de Israel se dispusesse das bombas -, nunca disse nada contra o povo judeu, ao contrário de alguns líderes racistas do Hamas", conta Mosab. "Meu pai estava muito mais interessado no Deus do Alcorão do que na política".

"Meu pai era o Islã para mim. Se eu tivesse de colocá-lo na balança de Alá, ele pesaria mais que qualquer outro muçulmano que conheço". Ressalta que ele "nunca perdeu a hora de uma prece e, mesmo quando chegava tarde e cansado, eu o ouvia orando e fazendo súplicas ao deus do Alcorão no meio da noite. Ele era humilde, amoroso e clemente com a esposa, os filhos e até mesmo com desconhecidos". 

O comentário seguinte é quase uma chave para a interpretação do conceito de religião por parte de Mosab. "Mais do que um defensor apaixonado do islamismo, meu pai vivia como um exemplo do que deveria ser um muçulmano. Ele refletia o lado bonito do Islã, não o lado cruel que exigia que seus seguidores conquistassem e escravizassem o mundo".

(Hoje, mais de uma década após o lançamento do livro, o Hamas permanece financiado pelo Irã, uma ditadura religiosa islâmica xiita. Seus líderes pregam a conquista do mundo em nome de Alá. Seu objetivo prático é a morte dos infiéis - todos os não muçulmanos, o que inclui você, que lê este post.)

"Seu amor pelos muçulmanos e sua devoção a Alá nunca esmoreceram", insiste o autor. "Ele ansiava pela paz para seu povo e havia trabalhado a vida toda para atingir aquele objetivo".

Mosab, que com o passar dos anos se tornara o guarda-costas do pai, e que se considerava "seu aluno e confidente", é aqui definitivo em sua relação com a figura paterna, um dos fundadores do Hamas. "Ele era tudo para mim. O melhor exemplo do que significava ser um homem". 

Após mais um atentado terrorista com muitas vítimas, temia pela vida do pai, pois acreditava que o governo israelense estava determinado a matá-lo. "Embora não tivesse organizado os atentados suicidas, ele, de qualquer maneira, era culpado por ter ligações com os envolvidos no massacre".

Pondera também que "além disso, ele tinha informações que poderiam ter salvado vidas e não as divulgara". Ele tinha convicção que Hassan poderia ter detido a escalada da violência. "Meu pai tinha influência, mas não sabia usá-la. Poderia ter tentado deter a matança, mas não o fizera".

O pacote que levou o primogênito de um dos sete fundadores do Hamas a cooperar com o serviço de inteligência de Israel era complexo e envolvia variáveis improváveis. Uma delas foi sua aversão à violência e arbitrariedade dos líderes do grupo contra os próprios integrantes, onde sub-líderes exerciam um comportamento oposto ao do seu pai.

Outra foi a conversão do devoto e religioso Mosab ao cristianismo. Ao ter acesso na cadeia a uma Bíblia vertida para o árabe, ele se identificou muito mais com a postura humanitária e os ensinamentos de tolerância de Jesus Cristo do que com os preceitos intransigentes do colérico Alá.

Foi o amor pelo seu povo e pela vida humana que levaram Mosab Yousef a rejeitar a política indiscriminada de terrorismo praticada pela organização criada, com outros propósitos, por seu pai. Segundo ele, contribuir para evitar a morte de inocentes - sejam muçulmanos, judeus ou cristãos - se tornou sua causa maior.

E, ao lado desta, sem sombra de dúvida, a possibilidade de proteger a vida do pai. Que, a certa altura, passou a ser ameaçada pelo próprio Hamas, quando Hassan deu declarações públicas favoráveis a criação dos dois Estados. 

Mosab diz que a visão do seu pai sobre a questão palestina-israelense evoluíra com o passar dos anos. Ele teve influência nisso, mas não só: o pai ouvia a todos e gostava de absorver o conhecimento alheio. Como frisa o filho, "por esse motivo sua visão era muito mais clara e ampla do que a dos outros líderes do Hamas".

"Ele via que Israel era uma realidade imutável e reconhecia que muitos dos objetivos do Hamas eram ilógicos e inalcançáveis", conta Mosab. "Queria encontrar um meio-termo que ambos os lados pudessem aceitar sem se humilhar e perder o respeito".

O autor conta que no primeiro discurso público que Hassan fez após um longo período na prisão (falo dela mais à frente), "ele sugeriu a possibilidade de haver dois Estados, o que traria uma solução para o conflito. Ninguém no Hamas tinha dado uma sugestão desse tipo". 

Com isso, admite, "meu pai estava reconhecendo o direito de existência de Israel!"

Esse reconhecimento, porém, era inaceitável para o Hamas. O poder político e financeiro do grupo - leia-se os seus líderes - dependia do não-reconhecimento do Estado judeu. Àquela altura, a "causa" do Hamas não era um fim. Era um meio que assegurava status e dinheiro aos chefes da organização.

E mais ainda com a possibilidade, surgida em 2005 (cinco anos antes da publicação do livro), do Hamas se constituir em um partido político e disputar as eleições para governar os palestinos.

Hassan Yousef foi questionado e pressionado para retroceder. Para desgosto de Mosab, o pai recuou.

Depois de ter participado de inúmeras operações que evitaram atentados à bomba e que levaram à prisão de terroristas (vale a pena você ler a biografia para conhecer os detalhes destas ações), a única preocupação de Mosab era com a segurança do próprio pai, paradoxalmente cada vez mais um alvo potencial do Hamas.

Mosab confessa que seu idealismo foi derrotado pela escalada de violência e pela cupidez ilimitada do grupo. Não via escapatória para si mesmo, nem para suas aspirações, nem para o povo palestino. O círculo vicioso de ódio e ignorância estava de tal forma entrelaçado que ele capitulou.

Articulou com o serviço secreto israelense sua própria prisão e a prisão do pai - acreditava que Hassan estaria mais seguro em uma cadeia do que na Cisjordânia. E ele mesmo, Mosab, preso, estava a um passo de abandonar aquele mundo. Combinou que seria libertado após um tempo encarcerado e em seguida tirado do país.

Via Síria, foi para os Estados Unidos, sozinho. Seu projeto era recomeçar a vida, do zero. Um jovem palestino cristão em mundo desconhecido. Mas não é fácil deixar uma vida (ainda mais uma vida como essa) para trás. Fosse uma tentativa catártica de se desconectar do seu passado, uma carta de amor ao pai ou uma aposta em um novo ponto de partida, resolveu escrever a própria história. 

"Meu nome é Mosab Hassan Yousef. Sou o filho mais velho do xeique Hasan Yousef, um dos sete fundadores do Hamas. Nasci na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, e faço parte de uma das famílias islâmicas mais religiosas do Oriente Médio". 

Editora Sextante, 287 páginas |  1a edição  | Copyright  2010  |  Tradução Marcello Lino 

Título original: "Son of Hamas"

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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