"O Príncipe", por Marcelo Cabral e Regiane Oliveira

quarta-feira, agosto 28, 2019 Sidney Puterman

Eu continuo fã dos livros. Diferentemente de jornais, sites, programas de TV, etc, eles vencem o tempo. Até mesmo os datados. Alguns deles reúnem tanto conteúdo que permanecem relevantes. Ou ganham uma relevância diferente. Este "O Príncipe" é um deles, ainda que cheio de poréns. Mas quem não os tem? É um livro que traz uma matéria-prima com substância. Aqui ela é graúda, referenciada. Pena que, se é um amplo compilamento dos fatos noticiados até a data da sua publicação, não é a biografia que se auto-proclama. O conteúdo sobre o "biografado" mal excederia um par de capítulos. Porém, noves fora e pecado capital à parte, conta uma estória importante, que nos ajuda a entender um pouco o Brasil do último meio século. Porque se a obra tem em Marcelo um protagonista, ela é sobretudo sobre a trajetória da holding Odebrecht. E também, por extensão, sobre o esquema de corrupção que envolveu o governo brasileiro e grandes empreiteiras em um ménage-à-treize que estuprou a nossa jovem democracia. Marcelo, cabe frisar, ocupa posição central neste enredo - o depoimento de delação que fecha o texto revela o peso do seu papel. Mas o livro não é, repito, a sua biografia, nem oferece elementos que nos permitam tomá-lo pelo que o título induz. Não há príncipe nesta história. Há um rei, a corte e os bobos. O rei paira sobre a estória. É quem estimula, permite, aprova e se locupleta com o engenhosíssimo esquema que suga o dinheiro público e o redistribui para agentes privados e autoridades nacionais e estrangeiras (o rei hoje perdeu a coroa, as propriedades e a liberdade; mas isto foi depois). A corte é formada pelos que têm assento na mesa do banquete. Nela se aboletam as autoridades públicas, com e sem mandato, amasiados com o empresariado cúmplice. Os bobos seria desnecessário dizer quem são. Você sabe. Somos nós. Verdade dita, vamos ao livro. Em síntese, o roteiro apresenta Marcelo Odebrecht como o operador que monta o sistema perfeito: o DOE (Departamento de Operações Estruturadas). A criação deste departamento é a pedra-de-toque de uma gigantesca e azeitada estrutura de suborno, que foi em seus áureos tempos capaz de alcançar qualquer volume de dinheiro e corromper quase qualquer nação sobre o globo. De acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos do governo Obama, trata-se do "maior caso de suborno internacional da história". Para traduzir esta afirmação em números, o acordo feito pela empresa com o governo americano, para escapar de maiores sanções, inclui uma multa de R$ 6,9 bilhões de reais. A punição deriva de irregularidades comprovadas em mais de cem projetos, realizados em países como Angola, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela. Como a construtora baiana atingiu tal capilaridade internacional é uma das charadas que a obra se propõe a desvendar. Desta forma, se não é a biografia anunciada - cujo título se prestou mais ao chamariz comercial -, o livro tem o mérito de organizar os fatos que marcaram a sociedade e a política brasileira na primeira década e meia do terceiro milênio. Cobre a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao Planalto e os métodos que empregou para usufruir do poder e nele tentar se perpetuar (o que foi o pano de fundo da promoção da Odebrecht à condição de maior agente corruptor de autoridades da história mundial, epíteto pouco invejável). E o livro, o que conta? Além de um minucioso descritivo da primeira etapa da Lava-Jato, operação caça-corruptos que permanece sob intenso ataque de políticos desonestos, juízes suspeitos, mídia venal e bandidos diversos (há pouco fez-se um carnaval ao redor de diálogos fajutos explorados por políticos ainda mais fajutos, e com a esquisita conivência de uma parcela da sociedade que, apesar de também ser vítima do roubo, vem sendo uma entusiasta defensora dos ladrões; e ontem a Segunda Turma do STF anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil na gestão petista, por conta de uma filigrana jurídica nas alegações finais do processo ), a pesquisa de Cabral e Oliveira se debruça meticulosamente sobre a empresa fundada lá nos primórdios por Emil Odebrecht. Por sinal, nos cabe reconhecer, meritória e inspiradora. Conta a chegada do cartógrafo luterano ao Brasil, no sul, em meados do século XIX. A família logo se tornou referência no negócio de construção, na segunda década do século 20, e, com a migração de um dos descendentes para a Bahia, o nome deitou raízes no Nordeste. É uma bela história, de uma gente trabalhadora, respeitosa e determinada, essencial para o crescimento das nações. O problema é que, ao crescer e começar a negociar com o governo, as coisas ganharam um outro viés. Tanto que o desabrochar definitivo da Odebrecht veio a acontecer nos governos militares, notadamente no de Ernesto Geisel - que fazia uma dobradinha germano-tupiniquim com Norberto Odebrecht, filho de Emil. Ernesto e Norberto, ambos de ascedência alemã, se entendiam bem. E isto refletia nos negócios. Se a empresa já tinha sido aquinhoada com fatias generosas da Petrobras na Bahia, foi convidada pelo general-presidente para erguer a sede da Petrobras no Rio de Janeiro. Assim, alçada a um patamar especial, entre as maiores do país, a Odebrecht passou a refinar seus métodos corporativos. Criou uma cultura própria. A receita brasileira dos Odebrecht uniu administração (pretensamente) descentralizada e rigor luterano. Resultou em um espírito de corpo diferenciado. Os manuais internos de orientação de procedimentos eram seguidos como uma bíblia corporativa e eram o be-a-bá para o sucesso na organização. Mais obras e mais lucros dobravam a aposta no seu modelo agressivo. Os vínculos governamentais com os militares se estenderam pelos governos seguintes. E não só com o Executivo: já em fins dos anos 80 o Legislativo passou a constar da folha da construtora, que vinha aprimorando suas pragmáticas técnicas de financiamento. O escândalo dos anões do orçamento já tinha a empresa envolvida até o talo - tanto, que houve, à época, busca e apreensão na casa de um dos seus diretores. Quando a poeira baixou, Emílio, o filho de Norberto, entrevistado pela Folha de São Paulo, admitiu: "Para sobreviver nesse campo, já fiz (dei ajuda a quem pediu). Agora, se você me perguntar quando e com quem, eu não vou dizer nunca." Lembra de quando o neto, Marcelo, depôs dizendo que pior do que roubar era delatar? Pois é. Ecoou o pai, embora fosse o avô com quem se dava melhor. À exceção desta e de outras poucas, ele e o pai raramente rezavam pela mesma cartilha (hoje vivem em pé de guerra). Com a chegada do PT ao governo, o pernambucano Luís Inácio e o baiano Emilio - que já se conheciam dantanho e tinham feito alguns negócios juntos, envolvendo interesses escusos patronais e sindicais - compuseram uma dupla tão ou mais afinada do que havia sido a alemoada no passado. A Odebrecht entrou na política dos campeões nacionais idealizada pelo partido e passou a dar as cartas e distribuir os recursos no canteiro de obras do país. Não só no país: a Odebrecht foi conduzida à condição de parceiro preferencial e braço monetário da suspeita política externa brasileira, voltada preferencialmente para países miseráveis e de regime ditatorial na África ou América Central. Sob a capa hipócrita de ajuda a países ainda mais pobres que o nosso, o que havia era a negociação com o "dono" de um país - o ditador de ocasião - que ancorava o discurso estelionatário de investimentos sociais e em infra-estrutura. Nos bastidores, porém, o que se dava era o escoamento do dinheiro público via BNDES. Os ditadores se amasiavam com o Itamaraty, recebiam obras a custo zero (pois assinavam empréstimos que jamais seriam cobrados enquanto o governo fosse petista) e a Odebrecht recebia do BNDES um valor quatro vezes superior à obra feita, devolvendo uma gorda parte do dinheiro superfaturado para a cúpula do governo brasileiro, irrigando os magnatas do partido e a engrenagem que visava assegurar o monopólio eleitoral. O resultado vinha sendo portentoso. O livro conta também como os antigos sócios foram eliminados (Victor Gradim e família se associaram a Norberto nos idos de 70, visando ampliar o alcance de ambas as empresas), já por incompatíveis com o novo status da organização. O articulador de todo este processo de agigantação da presença da Odebrecht no governo era Marcelo. Como dizem os autores, "os sete anos que Marcelo passou à frente da Odebrecht - de 2008 até sua prisão, em 2015 - foram uma espécie de era de ouro". A holding se tornou um dos cinco maiores grupos empresariais do país e o segundo maior empregador da nação, atrás apenas da Petrobras. Quando Marcelo assumiu a companhia, a Odebrecht tinha R$ 40 bilhões de receita bruta, 84 mil funcionários e presença em 17 países, além do Brasil. Já ao final de 2015, o grupo apresentava receita bruta de R$ 132 bilhões, tinha 128 mil funcionários e estava presente em 25 países. Um porém deve ser ressaltado: para financiar todo este crescimento acelerado, a empresa se endividou como nunca havia feito. O empresário iniciou seu mandato com uma dívida de R$ 10 bilhões. Em sete anos, ela bateu em R$ 100 bilhões (dívida que hoje, agosto de 2019, está em 98,5 bilhões, ou seja, o processo de amortização vem estando perigosamente aquém do ideal). Traduzindo em números, o faturamento da empresa cresceu 230% no período, enquanto a dívida cresceu 900%. A fresta que antes era 25% do faturamento triplicou e passou a significar um rombo de 76%. Apesar dos números que alarmariam os incautos, não havia preocupação, então. A empresa era a fornecedora, mas, pela parceria com os "zeladores" temporários do tesouro federal, era também a dona do caixa. Dinheiro não era problema e vinha diretamente do contribuinte. Ou seja, de forma dissimulada, o governo petista terceirizou a gestão das obras públicas para uma empresa privada, que redistribuía entre os próprios agentes do governo parte do volume de recursos que recebia, ficando também ela com seu quinhão - cada vez mais gordo, como mostram os números. Se fossemos traduzir em linguagem de peão as palavras de Marcelo Odebrecht sobre este gerenciamento privado, poderíamos resumir assim: "A gente definia o valor que seria licitado, o governo fazia a licitação, a gente ganhava a licitação, o governo depositava a grana na nossa conta e a gente devolvia uma parte da grana já em dinheiro para os caras do governo." O problema técnico que fez emperrar esta máquina turbinada - o antibiótico que atacou o vírus oportunista - foi a Operação Lava-Jato. Numa sucessão de atos hostis ao interesse dos ocupantes do governo, ela prendeu um doleiro reincidente, rastreou um Land Rover presenteado para um alto diretor da Petrobras e seguiu as pistas que levavam aos partidos políticos: inicialmente, o PMDB, como beneficiário, e o PT, como mandante. Como quando o Enigma, código nazista, foi decifrado na Segunda Guerra, a partir daí os passos do inimigo puderam ser rastreados. A casa caiu. De forma inédita no Brasil - um país corrupto nos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, sempre de prontidão para proteger os ladrões da elite política e empresarial -, as autoridades corruptoras e corrompidas começaram a ser presas. Cheio de opinião, Marcelo Odebrecht duvidou, peitou a banca e pagou para ver. Não funcionou como ele imaginava. A realidade ultrapassou os seus piores temores. O "príncipe" foi preso e, após um período de contrita relutância, confessou, apresentando as provas. O livro se debruça na farta documentação encontrada em poder de Marcelo, incluindo o celular, dezenas de anotações e milhares de e-mails. Todos comprometedores. Pela sua importância como registro, é um texto que vale a pena ser lido, a qualquer tempo e hora. É instrutivo. Exibe a gestão contábil da corrupção. Traça o roteiro criminoso dos envolvidos. Os e-mails (cujo poder destruidor é resiliente, tanto que esta semana o cunhado de Marcelo, Mauricio Ferro, que se recusara ao acordo de colaboração, foi preso com base em 180 e-mails que haviam trocado) têm passagens em que Marcelo Odebrecht instrui Lula a estreitar relações econômicas e políticas com Angola, beneficiária constante das operações viabilizadas pelo BNDES. O triângulo Odebrecht-Lula-BNDES teve enorme peso em diversas circunstâncias, como quando a área técnica do BNDES se recusou a liberar dinheiro para a construção do Porto de Mariel, em Cuba, declarando absoluta falta de garantias (segundo troçou Emílio, "a única garantia eram os charutos"). Entraram então em ação Lula e Fernando Pimentel, que, nos bastidores, conseguiram a aprovação do financiamento. Como frisam os autores, a relação triangular foi sempre profícua. O BNDES, presidido por Luciano Coutinho, indicado por Lula, emprestou mais de US$ 1.500.000.000,00 (um bilhão e meio de dólares) à Odebrecht, enquanto a LILS (anagrama de Luís Inacio Lula da Silva) recebeu ao menos US$ 10 milhões do cartel de empreiteiras que atendiam a Petrobras. Além de contratar palestras, as mesmas empresas faziam polpudas doações para o Instituto Lula (parte destes valores, hoje se sabe, foram aplicados por Lula em um plano pessoal de previdência privada). Após deixar o governo, Lula esteve em Gana, financiado pela Odebrecht e pela Queiroz Galvão, para dar palestras em solo ganês. Em abril, o presidente de Gana, John Mahama, veio ao Brasil, onde esteve com Lula e com executivos da empreiteira. Meses depois, o BNDES liberou US$ 700 milhões de dólares para a construtora fazer estradas na África (dinheiro que Gana jamais pagou). Estas que citei foram apenas umas poucas entre as muitas evidências das transações financeiras que irrigavam o consórcio. Entre outras virtudes, o livro é pedagógico, exibindo a que patamar chegou a prática da corrupção no país. Tal é o seu arraigamento, que ela tem seus defensores. Entre eles estão advogados e condenados, como Mário de Oliveira Filho, o advogado do operador do PMDB Fernando Baiano, afirmando que "não se faz obra no Brasil sem propina": "O empresário faz uma composição ilícita com algum politico para pagar alguma coisa. Se ele não fizer isso, não tem obra." Para prestigiar meu vizinho aqui de Itaipava, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, cito sua afirmação à CPI:" O que acontecia na Petrobras acontece no Brasil inteiro." Como frisam os autores, "o superfaturamento das obras joga para a sociedade o custo da corrupção. Empresas, políticos e agentes estatais lucram com o clientelismo. Poucos investimentos legais disponíveis no mercado dariam esse retorno." Além dos protagonistas, os milionários acionistas do esquema, com graus diferentes de participação e recebimento, estão todos no livro, com seus respectivos codinomes, indo do João Santana, o Feira, o marqueteiro das campanhas de Lula e Dilma, que comumente recebia acarajés (um dos saborosos neologismos para propina inventados pela construtora) da Odebrecht, ao Sergio Cabral, governador do Rio, o Proximus - e incluindo aí também o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, condenado na semana passada justamente pelas doações ilegais recebidas da construtora. A obra transcreve parte do depoimento de Marcelo Odebrecht à Justiça, onde ele fala de um caixa de propina de R$ 50 milhões que a empresa administrava para o PT, cujo saldo ficava disponível para uso de Guido Mantega, o Pós-Itália, ministro da Fazenda do PT e o mais longevo da história do País: "Ele começou a ser utilizado por Guido depois que Palocci saiu. Aí, a partir de 2011, quando o Palocci saiu da Casa Civil, o Guido começou a utilizar esses recursos para pagamentos a João Santana. Inclusive para uma pendência de campanha do Haddad em 2012. E Vaccari, que o Guido autorizava e a gente fazia ou doação ou caixa dois." Vaccari em seguida deixou de ser destinatário dos valores, que passaram a ser somente João Santana e o Edinho Silva, por orientação expressa de Dilma Rousseff, de acordo com o que Mantega teria dito a Marcelo. Antonio Palocci, ex-todo poderoso ministro petista, hoje em liberdade condicional por conta de um acordo de delação premiada, era o Italiano, principal interlocutor da Odebrecht no governo em temas importantes, como o Refis da Crise. No depoimento transcrito de Marcelo, há referências detalhadas sobre o Instituto Lula, citado acima (e que ainda será alvo de sentença): "A gente tinha doado, para todas as empresas, algo em torno de R$ 40 milhões. E, obviamente, ao Lula sair, a gente sabia que a influência dele ia continuar" (previsão mais do que acertada: embora já tenha completado em agosto de 2019 o total de 500 dias na cadeia, na semana passada Lula determinou que a presidente do PT nos próximos 4 anos permanecerá sendo Gleise Hoffman, a Amante, ou Coxa, da planilha da Odebrecht, ao contrário do desejo das demais lideranças do partido, que queriam outro nome na presidência; ou seja, a influência do Lula prossegue sem data para acabar). Marcelo não ficou por aí: "A intenção era que a gente pegasse esse dinheiro, fizesse uma doação para o Instituto Lula e não ficasse administrando. Isso acabou não vingando, porque o pessoal do Instituto ficava desconfortável de receber uma doação grande, ou seja, eles não queriam explicitar o que  deveria explicitar. E acabou pedindo de maneira informal, por caixa dois. Agora, tem alguns pagamentos que eram pedidos em dinheiro, por Palocci, dizendo que era para abater da conta Amigo, mas eu não consigo saber qual foi o destino, porque foi tirado em espécie." O Amigo em questão era o Lula. Sabiamente, os autores não deixaram de fora caciques do PSDB, como o ex-candidato à presidente Aécio Neves, o Mineirinho, que teria recebido R$ 15 milhões, entre outros valores. Dilma é poupada no livro, escrito muito antes dos e-mails de Marcelo Odebrecht chegarem à mídia. Em um deles, Marcelo considera que o impeachment seria muito pouco pelo que ele conhecia dos mal-feitos da presidenta ("teremos em breve ela saindo algemada do Palácio" ou "se a UTC e a OAS abrirem a boca, ELA e seu antecessor terão que buscar asilo em Cuba"). Sabe-se lá o que mais vem por aí. Tendo sido centenas de envolvidos, todos com uma fração maior ou menor de poder ou influência, o livro foi pequeno para esmiuçá-los todos, mais ainda este comentário, que se estendeu além do previsto, por força da dimensão cívica do tema. Mas não se engane: há ainda muita água (suja) para passar debaixo desta ponte (superfaturada) - a turma que domina a obra permanece protagonista. Momentaneamente separados: parte na cadeia, parte em liberdade, sob variadas formas de restrição, parte ainda fora do alcance das garras da Justiça. Esta mesma Justiça passou a ser alvo de ataque constante, com uma intensa participação popular, fomentada por redes financiadas pelos envolvidos nas ações criminosas. Por conta da atávica porosidade intelectual do povo brasileiro, cheia de buracos - espaços não preenchidos pela necessária cultura autodidata -, uma gorda parcela da opinião pública acaba, paradoxalmente, por defender seus próprios algozes. Palavras de ordem ginasianas, simplórias, e pieguices politicamente corretas monopolizam seu lado emocional, que prevalece, esticando um impenetrável contrapiso sobre seu raso discernimento. Será que estamos condenados a uma incapacidade crescente? Será isso uma característica dos povos, cuja mediana está sempre abaixo da linha da cintura? Serão nossos vizinhos tão ingênuos como nós? A América do Sul está fadada a ser eternamente injusta, bananeira e periférica? Ou há luz no fim do túnel? Eu aqui, com pensamentos imprecisos sobre o Brasil, ainda atordoado com a grandeza dos números do texto, compartilho a esperança do lendário escritor peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura: "Algún día le tendremos que construir un monumento a Odebrecht, porque nadie ha contribuido tanto en sacar a la luz la corrupción atroz que había en América Latina."

Editora Astral Cultural, 350 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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