"Kolory wojny", por Julien Bryan
O fotógrafo norte-americano Julien Bryan, que desde meados dos anos 30 vinha testando novos filmes e tecnologias, foi o autor das primeiras fotos em cores registradas em um campo de batalha - melhor dizendo, em uma operação de guerra, com aviões alemães explodindo a cidade de Varsóvia. As imagens que produziu eram fortes, pioneiras, e foram publicadas com estardalhaço na revista semanal norte-americana
Look, na edição de 5 de dezembro de 1939, três meses após tiradas. Sob a manchete
What Hitler's Lightning War Will Do To England, vinte e duas fotos em preto-e-branco foram diagramadas nas páginas de 11 a 15 e três fotos em cores publicadas nas páginas 16 e 17, onde se destacou seu ineditismo: "
The pictures reproduced here are the first war photographs in history made in color." Mas o avanço técnico era um pormenor desprezível diante da tragédia que acabara de começar - e que o mundo ainda não tinha a menor ideia da dimensão que tomaria, muito menos Bryan. Não à toa ele foi o pioneiro. Ele estava envolvido em um projeto de documentação fotográfica de pequenas comunidades do Leste Europeu quando a guerra eclodiu. Sentindo que o dever de repórter lhe chamava, rumou imediatamente para a Polônia, país em que estivera fotografando alguns anos antes. Chegou em Varsóvia em 7 de setembro e relutou a crer na violência dos ataques nazistas contra a população civil. Autorizado pela resistência polonesa, Bryan pegou seu equipamento e saiu registrando o que via pela frente. Seu texto demonstra que ele, pasmo, não esperava que a destruição que testemunhava fossem apenas os primeiros dias de uma guerra que levaria anos; que era o início do início, e não o fim; e jamais poderia imaginar que ela seria desenrolada de forma tão criminosa. Uma de suas primeiras séries fotográficas registra a destruição do hospital "
Transfiguration of the Lord", um então moderno prédio de cinco andares, que, em sua própria expressão, "
looked as if a giant with an ice-cream scoop had taken out the entire central section", ou seja, como se um gigante tivesse tirado integralmente a parte central do prédio com uma concha de sorvete. Outra série registrou a destruição de uma antiga igreja de uma região mais pobre da cidade, onde não havia nenhum alvo militar. Pior. Não foram só igrejas e hospitais as vítimas indefesas. Com a população já sofrendo com o desabastecimento, ele testemunhou o ataque de duas aeronaves nazistas a sete mulheres em uma reles plantação de batatas. Segundo ele, primeiro lançaram uma bomba de 250 quilos, que matou uma das mulheres; no retorno, a segunda ofensiva foi com tiros de metralhadora, que matou outras duas mulheres, incluindo uma adolescente de tranças. Enquanto Bryan a custo fotografava os corpos, uma menina de doze anos, que escapara do ataque, virou o corpo da irmã morta, em desespero, tocando a face ensanguentada da vítima: "
Please, talk to me! Please, oh, please! What will become of me without you!" O que poderia ser uma descrição piegas ganha o peso do mundo, quando se lê o relato e se vê as imagens (muitas das fotos tiradas por Julien neste momento estão no livro). Comovido, ele abraçou a menina e um membro da sua equipe fotografou a cena. Uma destas fotos ilustra este post. O bombardeio nazista sobre os civis de Varsóvia, na segunda semana da Segunda Guerra Mundial, era apenas o início de um pesadelo que destruiria boa parte da Europa e levaria a vida de dezenas de milhões de pessoas. Bryan foi testemunha deste momento trágico da história da civilização ocidental, e o que mais nos impacta no seu relato é que estamos acostumados a ler sobre a Segunda Guerra pela análise fria dos historiadores, feitas décadas depois - mas Bryan era um documentarista historiando o fato no momento em que ele acontecia, com reações humanas se misturando ao distanciamento esperado do narrador. Em uma outra passagem, ele assiste o
raid da esquadrilha nazista, despejando bombas sobre Varsóvia, e registra o exato instante em que um dos esquadrões anti-aéreos acerta um avião alemão, que se despedaça no contato ao solo. Ele vê quatro alemães sairem vivos da aeronave e serem imediatamente mortos pelos poloneses - e confessa que intimamente celebrou, ainda que pesarosamente: "O que eu via era que aqueles que estavam covardemente bombardeando e matando a população inocente foram abatidos, esquecendo por um instante que eles também tinham suas famílias. Mas é isto o que a guerra faz com a gente." Não esconde o sofrimento também ao visitar uma maternidade destruída pelo bombardeio. As grávidas e mães com recém-nascidos sobreviventes se amontoavam no porão, ao lado de crianças e adultos feridos, todos sob cuidados de médicos e enfermeiras que passaram os últimos sete dias também no porão, sem acesso a nenhuma ajuda externa e temendo que um novo bombardeio soterrasse a todos. Estes e outros relatos dramáticos são ilustrados com dezenas de fotos dos acontecimentos relatados, nos fazendo compartilhar dolorosamente este testemunho; e eram apenas os primeiros quinze dias de uma guerra genocida. Depois disso, frente ao bombardeio crescente de todas as áreas da cidade, Bryan buscou abrigo na embaixada norte-americana. Já temia não haver escapatória, pois a cidade estava sendo sistematicamente arrasada. Para sua surpresa, no dia 21 de setembro foi promovido um cessar-fogo de três horas, das duas às cinco da tarde, onde todos os estrangeiros de posse de um passaporte válido poderiam abandonar a cidade. Esta foi a brecha para que Julien Bryan voltasse para a América e divulgasse o que registrou. Mas o mundo reagiu com indiferença. Ainda estavam todos fazendo o máximo e engolindo sapos para não se envolverem (os Estados Unidos só entrariam na guerra dois anos depois, quando Pearl Harbour foi bombardeada pelos japoneses). Para Julien, este não foi o ponto final. Quase vinte anos depois ele voltou à Varsóvia, em 1958, e visitou o hospital e a maternidade reconstruídos. Reencontrou crianças e adultos que fotografara. Dos poucos retratados sobre os quais conseguiu recuperar as histórias, soube terem tido por destino os trabalhos forçados na Alemanha ou os campos de concentração na Polônia (incluindo o menino louro com o pássaro na gaiola). Localizou o padre da igreja destruída. E a mãe que dera luz à gêmeos (as crianças sobreviveram ao bombardeio, mas não ao levante da cidade, no qual morreram, cinco anos depois). Conseguiu ainda reencontrar algumas das mulheres que escaparam ao metralhamento na plantação de batatas, incluindo a pequena menina que consolara. Passadas duas décadas, era mãe de duas lindas crianças. Mas estórias felizes, mesmo que parcialmente, eram raridade. Se muito, eram sofridas trajetórias de superação, misturadas às cicatrizes da guerra. Descobri agora que Bryan deixou também o registro em filme das cenas que presenciou (veja no link http://bit.ly/warsawsiege), além das centenas de fotografias. Eu, ignorante que sou, desconhecia seu trabalho. Achei esta encadernação em capa dura, verdadeira preciosidade, em versão bilingue, polonês e inglês, em uma simpática livraria de uma rua deserta de Varsóvia. Eu, meio perdido, meio andarilho, vinha caminhando da elegante Krakowskie Przedmiescie e ziguezagueava à procura da Avenida Marszalkowska, no meu lento descobrimento da capital reconstruída. Vi a loja de livros e não resisti à vitrine. Entrei, fucei as estantes. À primeira vista, folheando o livro, não fui capaz de estimar o tesouro que tinha em mãos. Só alguns minutos depois, esmiuçando seu conteúdo, é que ficou claro que eu tinha que levar este testemunho comigo. Seu autor e os personagens não estão mais aqui. Passaram-se oitenta anos e estão todos mortos. Mas o registro está vivo. Enquanto houver quem o leia, a história das vítimas, seu derradeiro legado, sobrevive.
Osrodek Karta, 160 páginas
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