"Inglaterra, Inglaterra", por Julian Barnes

quarta-feira, fevereiro 07, 2018 Sidney Puterman

Uma sátira pedante sobre os costumes ingleses, com um hipotético mega parque temático que reproduziria a Inglaterra. Isso mesmo, o país. Ele todo. Por mais inusitada que seja a ideia (de realização literária metade capenga, metade embuste), o autor não é ruim. É um sacana erudito. Caçoa de tudo. Desmonta as tradições inglesas e o comportamento dos seus conterrâneos. Mas faz um livro desigual e confuso. A linha mestra é a transformação da ilha de Wight em um resort turístico-cultural para americanos endinheirados. Ela teria a reprodução dos monumentos e das tradições inglesas, incluindo um mini-palácio de Buckingham, frequentado pela própria realeza, que ganharia um trocado a cada aparição. O autor faz troça da sexualidade britânica e do competitivo jogo de aparências que rege as relações pessoais entre os ilhéus. Não vou negar que me diverti. Ri com o livro. Mas jamais perderia tempo com ele se soubesse de antemão a besteirada que é. Há passatempos melhores. De tudo, porém, se leva um pouco. A fictícia transformação de Wight em um parque governado por uma empresa, a Pitco, traz passagens como esta: "Acho este empreendimento muito excitante. É um puro estado do mercado. Não existe interferência do governo, porque não existe governo. Por isso não há política doméstica ou interior, somente politica econômica. Há apenas compradores e vendedores, sem que o  mercado seja atrapalhado pelo governo central com suas agendas complexas e promessas eleitorais." O raciocínio prossegue: "Lembram-se de todas aquelas comunidades hippies? Sempre fracassavam porque deixavam de compreender duas coisas: a natureza humana e como funciona o mercado." Mas Barnes cansa, com sua atividade mental feérica e repetitiva, onde todos os personagens fazem suas conjecturas e julgamentos de igual maneira. É uma escrita convulsiva, repleta de golfadas, meio-círculos e paradas súbitas, como um ônibus carioca costurando do Aterro à Candelária. Não tiro os méritos de Barnes de em 1998 ter antecipado o roteiro da série da HBO "Westworld". Sua criação da Inglaterra fake em tamanho reduzido, com sua "quintessência" englobando cenários e atores no papel de Robin Hood e seu bando, a invasão da embaixada inglesa no Irã, reis, cavaleiros, filósofos interpretados por canastrões que, em crise de personalidade, se julgavam os próprios, não fica nada a dever à série. O problema é que a série da HBO foi uma porcaria cara e inverossímil, muitos furos abaixo do telefilme original de 1973, com Yul Brinner. Eu, moleque, vi em preto-e-branco e adorei. Voltando à obra, os capítulos alternam deboche e psicorreflexões fora de contexto e para as quais o autor não tem o talento que imagina ter. Ainda que sofisticada, a ironia no discurso de todos os personagens de Barnes - Jack, Martha, Paul, Max etc - deixa todos iguais. E, pior, prolixos. Enfim, o livro é uma interminável falação zombando da Inglaterra e dos ingleses, o que é um problema deles, e me traz a inevitável a dúvida: porque a Rocco teria investido uns capilés neste título? Não faço a menor ideia. Tanto livro bom que não é traduzido e escolheram este ensaio zombeteiro para vertê-lo para a língua de Camões. Alguma razão houve, né? Vá saber.

Editora Rocco, 255 páginas

P.S.: A imagem ao fundo, apesar do Big Ben em obras, não é o parque temático em construção. E este mangue escuro é, sim, o Tâmisa.

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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