"Jerusalém, a biografia", por Simon Sebag Montefiore

quarta-feira, maio 06, 2015 Sidney Puterman

Montefiore olhou para o deserto e pensou: "Vou construir uma pirâmide." Se não foi isso, foi algo parecido. Ninguém - ou quase ninguém - se propõe a escrever uma biografia sobre uma cidade. Mais ainda uma cidade com milênios de história. Que pertenceu a dezenas de povos e que foi arrasada e reerguida incontáveis vezes. Pois é. Montefiore encarou essa parada indigesta e descreveu, uma por uma, todas as vezes em que Jerusalém foi posta abaixo e reconstruída, incluindo os intervalos de - vá lá - paz. Ao fazer isso, alinhavou um documento fenomenal. Bebendo em autores que viveram os diversos períodos dessa história única, Simon dá cores ao inimaginável. Se esmera na montagem de um mosaico que entrelaça diferentes culturas e conquistadores. Exibe a desimportância a que a Cidade Santa foi relegada durante séculos - e como isso, súbito (em perspectiva, né), mudou: o brilho; o ocaso; o apogeu. Porém, mesmo sendo assim um livro grandioso, durante as primeiras 400 páginas "Jerusalém" não me encheu os olhos. Talvez minha culpa. Ou porque as toneladas de informação comprimidas faziam do relato um patê inodoro, com guerreiros matadores e príncipes gananciosos que se sucediam às carradas. Mas, à medida em que as fontes se tornam mais fartas, a obra é premiada com substância e consistência. Os últimos 130 anos e as sucessivas tentativas em estabelecer um lar judaico na Palestina são o grande banquete oferecido pelo livro de Montefiore. Ele mesmo um descendente de um dos principais articuladores e mecenas do retorno dos judeus à Terra Prometida, procura (já dizer se consegue, são outros quinhentos; não tenho estofo para aquilatar) demonstrar equilíbrio e tratar com isonomia as atrocidades de cada um dos povos que escravizaram e mataram por aquela estreita e poeirenta faixa de terra. Evitando entrar em um cenário político que ainda se desenrola, Simon Sebag Montefiore interrompe na Guerra dos Seis Dias, nos anos 60, seu acompanhamento temporal. Nos fica uma sensação óbvia de incompletitude, mas é compreensível sua reserva: não quis ele macular sua narrativa discorrendo sobre circunstâncias onde a verdade histórica ainda não deu sua sentença final. Sem sombra de dúvida, uma obra de porte. É injusto comparar este livro ao seu primoroso "A corte do czar vermelho", mas confesso que me rendi duplamente: à relevância da obra e à tonelagem do conteúdo. Simon lega aos leitores e estudiosos um belo panorama de uma cidade que reúne as paixões do mundo, para o Bem e para o Mal. E de como os auto-assumidos defensores do primeiro tiranizaram os pretensos praticantes do segundo.

Companhia das Letras, 799 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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