"Um imenso Portugal", por Evaldo Cabral de Mello

domingo, junho 01, 2014 Sidney Puterman

Muita areia pro meu caminhãozinho. A erudição e a elegância do texto do historiador exigem de mim capacidade e conhecimento acima do meu parco estoque. Mas não capitulei - me gabo. Não faço ideia do que me levou a comprar o livro, mas imagino que tenha sido algo sobre a presença holandesa no nordeste. O título morou anos na minha prateleira. De viagem para Olinda, pus o danado na bagagem, crente que iria ler a apologia do Brasil holandês. Qual. Não poderia estar mais enganado. Evaldo defende o oposto; e o tema, se existente na obra, não é sequer dominante. Mas volto mais tarde a ele. O livro é uma coletânea, com artigos mais e menos densos, mais e menos herméticos. Se a maior parte dos 36 capítulos versa sobre o cordão umbilical que une Brasil a Portugal, outros tantos se dedicam a refletir sobre o ofício de historiar - nesse caso sociologia e filosofia rivalizam com o espaço dado à análise histórica per si, pensata que me seduz menos do que a História. E, não obstante, ela, aqui, é estrela: no pertinente à visão das relações entre colônia e reino, o autor é brilhante. Um dos méritos de Evaldo Cabral de Mello é a contextualização do ambiente político delicado que caracterizou a transição monárquica na gestão dual de dois países separados pelo Atlântico. Mello, mais que transcrever história, busca interpretar cenários e decodificar intenções, destrinchando possibilidades como se o ontem fosse agora. Entre muitas outras afirmações, o autor implode a lenda da colonização holandesa. Pernambuco é português, afirma, e ele não deixa brecha para um viuvismo neerlandês. Artigo por artigo, o pensador concilia amplitude e concisão - em alguns, seu prisma é o açúcar como formador da sociedade brasileira, em outros a relevância dos tipos de embarcação na costa nordestina (quando ele disserta sobre o caravelão, a sumaca e a barcaça e, afogado, me largo à deriva), num outro deita cátedra sobre os coqueiros, revelando nuances subcutâneas que tocamos sem ver. Evoca um Brasil bélico-político traduzido por um Brasil econômico-comercial, divaga sobre uma insuspeita (para mim!) influência veneziana nos nossos Setecentos, dedica-se à concepção cíclica da cultura aristotélica, do nosso mimetismo revolucionário e revela a hipótese de uma costela tirada do Brasil que se tornaria um país à parte, indo do Pernambuco ao Ceará e engolindo a Paraíba e o Rio Grande do Norte - criando certamente o país com o maior percentual de praias paradisíacas do mundo... E mais: discorre sobre o dilema do mazombo (o descendente europeu com um pé na América e outro na Europa) na obra de Joaquim Nabuco, sobre a causalidade histórica e sua decorrente narratividade. No fim, você se sente como um faixa-azul entusiasmado que rola com um faixa-preta e é atropelado. Bom treino. Saí dele melhor do que quando entrei. Escoriações diversas. Hão de me engrossar o casco...

Editora 34, 348 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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