"O Mapa Fantasma", por Steven Johnson

terça-feira, abril 29, 2014 Sidney Puterman

Qualquer tema se presta para um bom livro? Pode ser. Há quem ache certos temas maçantes. Um relato sobre o manejo de dejetos na Londres do século 19 seria sério candidato ao grupo. Mas, na abordagem de Steven Johnson, ele é um autêntico desafio de MMA entre a bactéria vibrius cholerae e a dupla John Snow e Harry Whitehead. Generosos e geniais, os dois, ainda que não conhecessem um ao outro, enveredaram pelos becos pestilentos da velha Londres em busca de pistas que lhes permitissem desvendar e deter a epidemia. E melhor: movidos pelo amor ao próximo e à ciência. Bons tempos, ehm? Fato é que o livro sobre o assunto é um thriller sobre urbanização e saúde pública, levado à frente pelos brilhantes e contido pelos medíocres (em número incomensuravelmente maior). Johnson conta a história de como o letal cólera se instalou na Broad Street, região superpopulosa da velha capital britânica, e matou milhares, em poucos dias, sob a impotência do Estado. Enquanto a doença grassava, a obstinação das autoridades e da mídia (sim, já havia uma no Reino Unido há 150 anos) na defesa da causa miasmática - ou seja, a corrente dominante que acreditava que toda forma de contágio se dava pelo ar "impuro" e "contaminado" - agravava o quadro e gerava mais vítimas. Contra tudo e todos (menos um, o pastor Whitehead), Snow, respeitado como o inventor do processo anestésico de inalação por gás, defendia que a água - e não o ar - era a grande vilã (embora isso nos pareça óbvio, hoje, não o era à época). Johnson conta esse processo com talento. Revela como foram necessários milhares de mortos para que o bom senso prevalecesse e ideias pré-concebidas fossem descartadas. Faz justiça à memória do cientista (que morreu sem que sua tese fosse reconhecida) e do pastor, permitindo que possamos hoje reverenciá-los. A lamentar que Johnson adicione duas dúzias de páginas de ladainha contemporizadora ao fim do livro. Despropositado. Mesmo aos bons autores é preciso alertar a hora de parar.

Jorge Zahar Editor, 272 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

0 comentários: