"O império de Hitler", por Mark Mazower

domingo, agosto 07, 2022 Sidney Puterman


A mancha negra que tinge o mapa mostra o auge do domínio nazista da Europa. "Tá tudo dominado", diria o batidão do funk. Era também mais ou menos esta a conclusão do planeta, atônito. A nova ordem europeia cruzava o continente de norte a sul, de leste a oeste. Mas será que estava tudo dominado mesmo em 1941? Ou, para desgosto da alemoada, se tratava de vã ilusão? 

"As vitórias da Alemanha em 1940 criaram um imenso império; porém, embora o país pudesse tirar considerável proveito dele, o império foi administrado com espantosa incompetência", disse o historiador inglês Max Hastings, em seu excepcional "Inferno - o mundo em guerra 1939-1945".

Esta pode ser talvez a questão capital. Invasão é poder? Ocupação é controle? A análise deste período selvagem e alucinado é a matéria prima do livro de Mark Mazower, professor de História da Universidade de Columbia.

Mazower escreve um minucioso relatório da estratégia (ou falta dela) administrativa alemã da Europa ocupada. Boa ou ruim, eficiente ou falha, importa é que ela não foi obra do acaso; não caiu no colo alemão de uma hora para outra. Era, de fato, um plano urdido muito tempo antes.

Voltemos a uma reunião de cúpula de antes da guerra, realizada na Chancelaria do Reich. Era 1937 e Hitler explanava sua visão - para os próximos oito anos - aos ministros da Guerra e das Relações Exteriores. Estavam presentes também os três comandantes das forças armadas. 

"Há pouco tempo a perder", bradou o führer, veemente. "Em todo mundo o impulso primitivo da colonização é mais uma vez visível. As necessidades econômicas são sua real força motriz, e recentemente lançaram o Japão e a Itália na direção da expansão. A Alemanha precisa seguir seu exemplo".

Atente você que, neste instante, Japão e Itália eram o benchmark, a referência de sucesso na visão do palestrante. Em poucos anos se veriam a reboque do avanço alemão.

"O Reich, com seu núcleo racial extremamente compactado, jamais poderia ser autossuficiente em matérias primas básicas ou gêneros alimentícios", cria Hitler, frisando que "a superpopulação era uma ameaça real ao futuro do país".

A conclusão de Hitler era que para elevar o nível de vida da população seria necessário buscar os recursos para tal em outros países. E, ao contrário dos defensores da expansão colonialista alemã em direção à África, Hitler acreditava que estes recursos estavam bem mais próximos - na Europa, nas fronteiras da própria Alemanha.

"Ele tinha a Áustria e a Tchecoslováquia em mente em primeiro  lugar, prevendo que a tomada de ambas seria capaz de melhorar a provisão de alimentos para o Reich", esclarece Mazower, "especialmente se, como ele imaginava, a Alemanha conseguisse forçar 3 milhões de tchecos a imigrar".

Era um amplo projeto de dominação, desprovido de sutilezas. A sua pedra fundamental era a expropriação, ou seja "quanto carvão, ferro, aço, gorduras comestíveis e grãos poderiam ser extraídos de um determinado território", detalha o autor. Na matemática da geopolítica, Hitler "via as economias internacionais como um jogo de soma zero, não como um processo em que o destino de todos estava interligado em mútua dependência".

CQD, como queríamos demonstrar: muito antes de cruzar a primeira fronteira, dar o primeiro tiro e matar o primeiro vizinho, já havia um conjunto de pretensões alemãs que poderíamos chamar de plano. Tinha, porém, seus limites, porque suas ambições eram até então relativamente limitadas.

Mas ocorreu que, nos primeiros dez meses da guerra, a fácil invasão da França fez os alemães acreditarem em um butim muito maior, vislumbrando a possibilidade concreta da hegemonia continental. Tal perspectiva fez os antes apreensivos especialistas em política econômica do país respirarem aliviados e se empolgarem. Haveria folga no caixa. Do alívio à euforia foi um pulo.

"Hoje administramos um território que se estende do oceano Ártico ao mar Negro, do golfo da Finlândia ao Atlântico", deliciou-se o ministro alemão da Economia no ano seguinte, com o enfileiramento da União Soviética entre os países conquistados. "Nunca antes na história do mundo existiu uma economia como esta para administrar [Wirtschaftsverwaltung]".

Verdade. Em menos de dois anos, Hitler já superava Stalin em tudo, à exceção de petróleo. Na visão nazista, o mapa em negro era jogo ganho. Já não havia dúvida de que o desfrute de todos os benefícios era um privilégio do invasor. Mas é aí que mora o perigo - nem tudo que reluz é ouro.

"Recursos não eram tudo", explica o professor de Columbia. "A riqueza da Europa não era gerada tanto pela atividade extrativista, mas pela atuação de mercados financeiros abertos, sofisticados e interligados". Mazower realça que até então o PIB continental europeu era maior que o do Império Britânico ou dos Estados Unidos, e que a guerra comprometera a atividade comercial com o restante do mundo.

"O desafio real para os alemães, em outras palavras, era menos extrair recursos que administrá-los", expõe o autor, que crê que "Hitler subestimou os custos da destruição de tais conexões internacionais", e que a Alemanha logo se viu isolada, privada dos suprimentos estrangeiros de grãos, ração animal, petróleo e carvão, sem que houvesse substituto em curto prazo para estes bens até então importados.

Ocupar países e matar gente era diferente de gerir competentemente o território alheio. Na prática, os alemães puseram a si mesmos em uma sinuca de bico. "Lidar com a ausência de bens exigia administração hábil, capacidade de previsão e disposição para chegar a acordos - que não eram as virtudes mais apreciadas na Alemanha de Hitler", pondera Mark.

No varejo, a Alemanha invadia países, saqueava o que podia e, em tese, deveria prover a alimentação do povo invadido - mas não. A população local morria de bala ou de fome. Mazower exemplifica com dois países ocupados, cada um em uma extremidade da Europa.

"De um ponto de vista estritamente econômico, dificilmente valeria a pena invadir países que mais importavam da Alemanha do que exportavam a ela, como a Noruega e a Grécia", considera o historiador. Ele desenvolve seu ponto de vista sobre as finanças europeias:

"A pressa para ir à guerra e o fato de que o Reich combatia no limite de suas possibilidades apenas intensificaram a tendência dos nazistas de priorizar a política da pilhagem. Como resultado, não é de estranhar que a ocupação alemã tenha desencadeado crises fiscais e monetárias em um país atrás do outro, crises que corroeram a autoridade do Estado, atiçaram pressões inflacionárias e destruíram frágeis mercados internos".

"Em resumo", assevera, "o desempenho econômico do continente era desastroso, e ainda pior exatamente nas áreas que Hitler acreditava ser vital conquistar", lembrando que "enquanto a produção dos Estados Unidos disparava, a Fortaleza Europa era um 'caso perdido".

Consequência de uma abordagem equivocada. "Hitler sempre deu muito mais importância a saquear os recursos de cada região e esmagar qualquer resistência do que planejar como deveria ser governada", sentencia Mazower.

Recorro novamente ao já referido Inferno, de Max Hastings, para reforçar este ponto. "A incompetência administrativa do regime era tão grande que a importação de alimentos para o Reich e as consequentes mortes soviéticas foram muito menores do que esperavam o ministro da Agricultura, Herbert Backe e seu 'Plano da Fome".

Volto logo à Backe. Mas isso revela que nem em prever o tamanho do mal provocado havia acerto. Os nazistas achavam que as restrições impostas fariam morrer muito mais gente de fome do que na verdade morreu. Algo estava gravemente errado naquelas contas e ninguém tinha ainda percebido.

A confiança, não obstante, permanecia em altos níveis. Em uma reunião com alguns dos seus comandantes mais próximos - Göering, Rosemberg, Bormann e Keitel -, em 16 de julho de 1941, em Rastenburg, o führer já avisava que queria todos os louros para si.

"Esta é uma campanha cujos frutos devem beneficiar exclusivamente a Alemanha". Condescente, ressalvou que "a curto prazo poderia ser taticamente útil representar o papel de libertadores".

Os áulicos saboreavam as palavras do chefe. "Os alemães precisam saber o que querem ao dividir este enorme bolo", continuou, frisando que era preciso "primeiro dominar, secundariamente administrar e em terceiro lugar explorar as pessoas e os recursos". Belas palavras.

Mas uma realidade pavorosa. Sob o jugo nazista, a circulação popular era restrita. Nos territórios ocupados seria vedado a qualquer não-alemão o porte de armas, e a pacificação seria alcançada "fuzilando todo aquele que parecesse suspeito de algum modo".

Na reunião, Hitler decidiu desmembrar a Ucrânia como se fosse um frango, dando parte ao Governo Geral, que já incluía Galícia e Polônia - e doando outro pedaço dela à Romênia, ficando a parte central do país para ser "europeizada", com a criação de novas "cidades alemãs".

Um relatório apresentado aos jornalistas alemães em outubro de 1941 (quatro meses após a invasão da União Soviética pelos nazistas) exaltava a vitória acachapante. 

"A guerra tinha acabado", disseram, e o Reich "criaria uma Europa autossuficiente e 'cercada por arame farpado', capaz de resistir a qualquer ameaça militar". O texto enfatizava que a Alemanha "seria muito mais livre e fria no tratamento que dispensava às nações 'por nós dominadas' e não existiria a menor possibilidade de que algum pequeno Estado patético obstruísse a paz com seus pedidos ou exigências especiais".

A retórica demonstrava claramente a visão colonialista alemã. Alertava ainda que o povo teria que lidar "em sua nova fronteira euroasiática com o tipo de escaramuça que os britânicos confrontaram na fronteira noroeste da Índia", mas que a nação seguia rumo ao "ideal imperial europeu".

"Os nazistas acreditavam que lhes coubera a tarefa de construir um império que os elevaria à condição de potência mundial", avança o autor. "Com quase nenhuma experiência em colonialismo ultramarino a guiá-los e conhecendo muito pouco sobre os britânicos na Índia, ainda assim eles estavam muito impressionados com a ideia de um pequeno grupo de administradores poder governar um subcontinente inteiro."

"Para eles, o império era um ideal", segue Markower, "uma violenta fantasia de superioridade racial, uma demonstração de perícia de uma elite marcial formada para governar centenas de milhões de súditos". Na visão do historiador inglês, Hitler acreditava que "os alemães teriam de adquirir essa perícia, para competir por recursos globais com os que dominavam os 'grandes espaços'. Já haviam ficado para trás na partilha da África, no fim do século XIX, e não podiam se dar ao luxo de ignorar as rivalidades competitivas desencadeadas depois da Primeira Guerra Mundial."

Hitler afirmava que era "ridículo pensar em política mundial antes de nos tornarmos os donos do continente", e asseverava que "quando formos os senhores da Europa, aí sim teremos a posição dominante no mundo".

Vale frisar que esta visão etnocêntrica e megalomaníaca não era restrita aos alemães. Mais de trinta anos antes, o geógrafo britânico Halford Mackinder argumentara que "aquele que governa o Leste Europeu controla o Centro; quem governa o Centro controla a Ilha do Mundo; e quem controla a Ilha do Mundo controla o mundo".

Passando da teoria à ação, a sanha nazista em se apropriar do território alheio e regulá-lo teve início com a violenta invasão da Polônia. A blitzkrieg em seu momento mais emblemático. O país foi tratorizado e a população foi trucidada.

Verdade que os poloneses não foram os primeiros a serem catequizados pelo credo teutão. Nos dezoito meses anteriores, a Áustria, os Sudetos e a Tcheco-Eslováquia tiveram sua soberania requisitada. Mas é imperativo dizer que foram ocupações amistosas. Nos dois primeiros, ao invés de tiros, os nazistas foram recebidos com bombons. Flores foram atiradas nas ruas para que os canhões passassem por cima. 

A Áustria, particularmente, adorou ser penetrada pela Wehrmacht, que desfilou pelas ruas de Viena como se estivesse no sambódromo, sob o delírio da plateia. Pela reação popular, os tanques alemães eram a salvação da pátria.

Mas, no outro extremo, a tomada de Varsóvia foi tão atabalhoada que o próprio intérprete do Führer observou mais tarde: "Os nazistas continuavam falando sobre um Reich de 2 mil anos, mas não conseguiam pensar cinco minutos à frente!".

Atabalhoada e selvagem. A abordagem nazista dos territórios a serem regulados era a de homens - os alemães - governando não homens, mas sub-homens - os não-arianos. "O homem como tal não existe", escreveu em 1936 Walter Gross, chefe do Departamento de Política Racial alemão, explicando que "o que existe são homens que pertencem a esta ou àquela raça".

"Os homens ali são animais", teria dito mais tarde Hitler, sobre as notícias de canibalismo entre os prisioneiros russos. Explicou que os alemães travavam uma guerra contra uma "degeneração animalesca da sociedade [Menschheitsentartung]". Para Hitler, bárbaros eram os outros.

Os procedimentos adotados na gestão da Polônia são um indicador do modus operandi nazista. "Em Lodz, soldados alemães mataram um polonês que entrou no vagão de trem errado", diz Mazower, destacando que "em seguida atiraram nas pessoas que protestaram ao redor, matando três delas".

A população local, vizinha dos alemães há dezenas de gerações, foi escravizada. "As mulheres tinham de trabalhar como empregadas domésticas, na lavoura ou até mesmo em bordéis militares", segue o historiador, esclarecendo que "prisões e campos de trabalho - como o novo campo de Auschwitz, recém criado - logo ficaram lotados, e o local para execuções nos arredores de Varsóvia, em Palmiry, tornou-se tristemente célebre".

Alguns anos depois, já depois da guerra, o escritor francês - nascido na Martinica - Aimé Cesaire disse que "os europeus precisaram dos nazistas para levar à casa deles o que o preconceito racial produzia. Eles não conseguiram apreender a verdadeira natureza do colonialismo porque o racismo os impedira de se solidarizar com a vontade dos que oprimiam. Eles toleraram o nazismo antes que fosse infligido a eles, eles o absolveram, fecharam os olhos, legitimaram-no, porque até então aquilo só havia sido aplicado a povos não europeus".

Mas ainda com a guerra em curso, o gauleiter e generalkkommissar Alfred Frauenfeld diria que "o principio de brutalidade implacável, o tratamento do país segundo opiniões e métodos usados em séculos passados contra povos escravos de cor; e o fato, que desafiava qualquer politica sensata, de que o desprezo por esse povo se manifestasse não só em ações contra indivíduos, mas também em palavras e em toda ocasião possível e impossível (....) Tudo isso é testemunha de uma absoluta falta de sensibilidade para tratar povos estrangeiros, o que, em vista de suas consequências, só pode ser considerado patético e desastroso".

Pois é. Mas se o tratamento dado ao povo era selvagem, maior era a sofreguidão dos administradores em pegar tudo o que podiam - o que não era pouca coisa.  "Na prática, os alemães saquearam a economia polonesa desde o início", simplifica o autor. "Como chefe supremo da economia do Reich, Göering estabeleceu uma rede de agentes encarregados de se apossar de todos os recursos que pudessem ser transportados. Seus homens, em conjunto com a Wehrmacht e mais tarde com a SS, também assumiram o controle das empresas polonesas".

Tecnicamente falando, "era dificil para os alemães saber onde terminava a organização e onde começava o saque", considera Mazower, complementando que "tal como era, a expressão organizar significava roubar e assaltar".

Pouco depois deste começo deveras promissor, com a invasão da França em curso, Hitler esperava chegar a um acordo em Londres "sobre as bases da divisão do mundo". Como suas tentativas de aproximação foram de pronto rechaçadas pelo Reino Unido, o führer resolveu bombardear a ilha. Também aí suas pretensões não foram contempladas. As bombas não abalaram o moral da população, a RAF deu de ganhar a batalha nos ares e os ingleses partiram para bombardear de volta a Alemanha.

Deschavo este assunto - a invasão à URSS - nos comentários a respeito de muitos outros livros, mas, em resumo, Hitler resolveu atacar a União Soviética em 1941 para ver se a Inglaterra se rendia. Não faz sentido para você? Então dê uma olhada nos posts de algumas semanas atrás sobre este momento da guerra ("Dez decisões que abalaram o mundo", de Ian Kershaw, é seminal).

Na verdade, nada de muito pirotécnico. O ex-cabo austríaco achava que Churchill se fiava na existência de uma potencial ameaça russa aos alemães para não capitular. Numa prova dos nove básica, o führer imaginou que uma União Soviética de joelhos seria o suficiente para obter um acordo com a Grã-Bretanha.

"Se atacarmos esse colosso do jeito certo e de primeira", disse Hitler em agosto de 1940, "ele vai desmoronar mais depressa do que o mundo espera".

Como sabemos hoje, deu-se o contrário. Os soviéticos resistiram e sua resistência "deu origem à parceria ente os Três Grandes, que daí em diante moldaria a estratégia da guerra e da paz", diz Mazower. "A campanha para forçar os britânicos a capitular tinha na verdade cimentado a nova aliança que acabaria por derrotar a Alemanha".

Não esqueçamos, porém, que o avanço nazista sobre o território soviético e dos seus países satélites foi arrasador. A mesma blitzkrieg bem-sucedida na Polônia deixava em seu rastro pelas estepes russas centenas de milhares de cadáveres e cidades em chamas.

Você que tem acompanhado o noticiário sobre a invasão da Ucrânia por Putin vai se sentir familiarizado com o que disse à época o secretário de Estado no Ministério para Alimento e Agricultura, Herbert Backe: "A ocupação da Ucrânia nos libertará de qualquer preocupação econômica".

Como eu disse antes, a previsão de Backe era que a Wehrmacht fosse alimentada à custa da Rússia, mesmo com a consequência de que, assim, "dezenas de milhões de homens sem dúvida morrerão de fome", pois "não queremos converter os russos ao nacional-socialismo, e sim transformá-los em nossas ferramentas". Escreveu o ministro que "o russo resistiu à pobreza, à fome e à austeridade durante séculos. O estômago dele é flexível; por isso, nada de falsa piedade!"

Não houve mesmo vestígio de falsa piedade por lá. O Ministério do Leste foi um dos exemplos mais bem acabados do estilo nazista de administrar uma pasta estratégica (como diz o autor, era a própria "raison d'être da guerra"). O ministro tinha sob sua responsabilidade um vasto território, que incluía Letônia, Lituânia, Bielorússia, Geórgia, Ucrânia e um enorme pedaço da União Soviética.

O nomeado foi Alfred Rosenberg, "um alemão báltico exilado com inclinações metafísicas que estudara em Moscou e tinha alguma familiaridade com a União Soviética e seus problemas de nacionalidade". Segundo Mazower, o escolhido "se considerava o filósofo do movimento nazista e era autor de um pomposo opúsculo racial que tivera grande êxito de vendas, intitulado O mito do século XX" - um livro considerado chatíssimo pela cúpula do regime. 

Este teórico racial era companheiro do führer desde a primeira hora. Foi ele quem assumiu a liderança do partido durante o período em que Hitler esteve preso. Mas Rosenberg era tido como um sujeito fraco. Goebbels o chamava jocosamente de Quase Rosenberg, por ele nunca ter tido sucesso em nada. Quase "foi encarregado da direção de todo o espaço europeu do Leste".

(Goebbels também teria dito que Rosenberg "só era capaz de teorizar, não de organizar".)

Hitler também não tinha o melhor dos conceitos a respeito de Rosenberg. De acordo com Mazower, "Hitler não gostava dos seus escritos - dizia que eram "um material que ninguém consegue entender" -, mas apreciava-o como alguém que se unira ao Partido Nazista desde o começo". Ainda segundo o autor, a predileção de Hitler por Rosenberg é que "considerava-o um fraco e exatamente por esse motivo havia confiado a ele a liderança do Partido Nazista durante o período que passou na prisão depois do Putsch da Cervejaria".

Foi a Rosenberg quem coube a direção central de todo o espaço europeu do Leste.

Não admira a grande lambança em que tudo se tornou. Uma gestão amadora e impulsiva de sociedades seculares, momentaneamente subordinadas porque tinham menos canhões do que os alemães. A falência alemã - leia-se de Hitler - em gerir o território invadido inviabilizou a permanência e comprometeu o sucesso militar.

"A aposta de Hitler fracassou, e sua tentativa de travar uma guerra continental sem levar em conta a capacidade econômica da Alemanha se voltou contra ele próprio", acredita Mazower. "A resistência contínua da União Soviética, suas reservas aparentemente infinitas de recursos humanos e o notável sucesso de seu próprio esforço de rearmamento diante de uma atroz escassez de alimentos condenaram toda a sua estratégia".

O autor enfatiza a janela de tempo perdida pelos alemães, ao dizer que "a fase fundamental da luta ocorreu no primeiro ano e meio depois da invasão alemã da União Soviética, quando as novas conquistas do Reich e o choque profundo para  economia soviética renderam muitas vantagens no momento em que a economia americana ainda estava se preparando para a guerra. Foi nesses meses cruciais que o pendor nazista para o desperdício e a incompetência, os erros estratégicos de Hitler e a inabilidade do regime para converter recursos em armas tão efetivamente quanto seus inimigos custaram muito caro ao Reich".

Os números dão demonstração cabal.

"A malversação de mão-de-obra - um de seus artigos mais escassos - foi fator fundamental. No curso da guerra inteira, a Alemanha só conseguiu por em campo menos da metade dos 35 milhões de homens que Stalin reuniu". Mas o historiador destaca que, no fim da guerra, a Alemanha tinha perdido mais de 3,2 milhões de homens e a União Soviética mais que o dobro e sofreu muito mais mortes de civis, mas "toda a população foi mobilizada, e os trabalhadores que restaram foram redirecionados desde cedo para a indústria de guerra".

"A despeito da evacuação e das perdas espetaculares de plantas industriais, a União Soviética ainda produzia mais armas em 1942 que os alemães", reitera Mazower, criticando o regime nazista por exterminar milhões de trabalhadores "de forma deliberada e cruel".

Desnecessário dizer que o apoio dos Estados Unidos - formalizado através do Lend-Lease - foi determinante. Todos no planeta estavam carecas de saber, entretanto, do poderio norte-americano e que ele seria empregado contra os propósitos nazistas. Hitler atacou os soviéticos em 22 de junho de 1941 apostando que a ajuda americana chegaria tarde demais.

Como todos sabemos, chegou a tempo. Em quantidade, qualidade e perrmanência.

Ou seja, aos erros decisivos de estratégia somaram-se a estratégia pífia de administração. Com erros em cadeia e uma estrutura doentiamente centralizada no chicote de um líder cada vez mais incapaz, a Alemanha definhou, mordendo e babando.

A subordinação absoluta do Exército, das SS e da própria população ao führer levaram a nação ao derretimento. Para Hitler, os alemães, o povo-protótipo do incensado mito ariano, foram uma decepção. Um povo que não performou à altura das suas expectativas. A seu ver, nada mais justo que, mediante tamanha fraqueza, morresse sob jugo soviético.

Adolf, frágil e inconformado, não querendo ser pego vivo pelos russos, e entocado em um bunker de concreto sob uma cidade em ruínas, tomou veneno e deu um tiro na própria têmpora.

Com o suicídio de Hitler, os protagonistas do seu primeiro escalão tentaram assumir o comando do país e se apresentar aos Aliados - leia-se americanos e ingleses - como interlocutores. Donnitz e Himmler, cada um a seu modo, fracassaram. Terminaram presos. O ex-todo poderoso Heinrich Himmler, um dos maiores criminosos da História, na fuga se disfarçou como um reles sargento de uma força policial alemã. Escolheu mal o disfarce. As forças policiais eram visadas pelas forças de ocupação. Já nas mãos de uma patrulha americana, Himmler aproveitou um momento de distração e fez o que fizeram dezenas de outros corajosos líderes nazistas. Se matou.

O tenente-general alemão Ferdinand Heim disse, em sua cela, a outros prisioneiros de guerra (gravação de 23 de maio de 1945, quinze dias após a rendição):

"Poderíamos ter vencido a guerra, ainda que nenhum erro militar fosse cometido? Minha opinião é: não. De 1941 em diante, e até o fim, ela já estava tão perdida quanto a Primeira Guerra, pois os objetivos políticos não guardavam absolutamente nenhuma relação com as possibilidades militares e econômicas da Alemanha. A única coisa que o peculiar método de lutar uma guerra de Hitler trouxe à Alemanha foram milhões de pessoas mortas. Apenas isso - era impossível vencer a guerra".

"Eis a coisa mais notável, na qual penso o tempo todo", continuou Heim, "por que um país como a Alemanha, que está no centro do continente, não fez da política uma arte, com o objetivo de manter a paz, uma paz razoável? Fomos insensatos e tolos a ponto de imaginar que podíamos desafiar o mundo. Sem perceber que isso é rigorosamente impossível nas condições em que nos encontramos na Alemanha. Que motivos nos levaram a isso? Eu não sou político, não sou historiador. Não sei. Só sei a pergunta."

Mark Mazower demonstrou com precisão porque a inépcia administrativa contribuiu para o fracasso da guerra. Muito além dos projéteis cruzando o ar, havia em terra uma meticulosa costura a ser feita no esgarçado tecido europeu - que os alemães jamais cogitaram fazer.

Ao nazismo faltou a competência requerida para o serviço. Ou, como pragmaticamente afirmaram alguns críticos de Hitler, "a Alemanha poderia ter pureza racial ou dominação imperial, mas não as duas coisas".

Companhia das Letras, 801 páginas (1a edição) 2013 | Tradução Claudio Carini e Lucia Boldrini | Copyright 2008

Título original: "Hitler's Empire: Nazi Rule in Occupied Europe"


Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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