"Churchill", por Paul Johnson

segunda-feira, maio 21, 2018 Sidney Puterman

Maio de 1940. Há 78 anos, Winston Spencer Churchill assumia o posto de Primeiro Ministro do Reino Unido. O momento não era fácil - e a dificuldade, colossal, era a razão do convite. Na Europa as tropas avançavam e, naquele instante, tudo parecia conspirar a favor dos alemães. A temível guerra que Churchill tanto alertara estarem os boches preparando - e para a qual seus conterrâneos torceram a cara, comprometidos e esperançosos que estavam com o pacifismo - batia à sua porta, cercava a sua ilha e zunia sobre seu espaço aéreo. Fato: em poucos anos, desde que Hitler alcançara o poder, em 1933, a Alemanha multiplicara seu exército, desenvolvera sua aviação, crescera sua frota e construíra centenas de submarinos. O Velho Continente, como um cordeiro, se calara. Mesmo a Inglaterra aquiescera ao longo da década de 30 (houve em 1934 uma votação popular coordenada pelo Peace Pledge Union - União do Compromisso pela Paz - contra o rearmamento nacional, que, em 10 milhões de votos, teve 87% de aprovação). Foi perturbada, em seu equivocado assentimento, por uma única voz dissonante: Churchill. Ele avisara. Não lhe deram ouvidos. Alguns anos antes, sobre o poderio militar alemão, dissera: "Tenho que agradecer a Deus por existir o mar separando a Inglaterra da Alemanha". Nem todos tinham o mar por barreira, porém. Agora, rasos, impotentes e vulneráveis, todos temiam a Alemanha. Os países europeus, intimidados, cederam e celebraram acordos inócuos e vexaminosos. Aceitaram promessas vãs. Os alemães, como se esperava, fizeram tudo que prometeram não fazer. Tomaram a Áustria, ocuparam a Tchecoeslováquia e invadiram a Polônia. Absolutamente por força das circunstâncias, a Inglaterra, ainda que fragilizada pela sua prévia tibieza, declarou a guerra que prometera declarar, caso se desse o que se deu. Só que o governo de Chamberlain, caracterizado como ingênuo e conivente (entre outras patacadas, o tolo Tratado Naval Anglo-Germânico celebrado entre Inglaterra e Alemanha, cumprido por aquela e ignorado por esta), não se sustentou. Um parlamentar tory citou Cromwell: "Você esteve aí por tempo demais para o pouco que fez. Vá embora, digo eu, e chega de você." Era necessário que outro líder estivesse no comando. Foi então que convocaram Wiston Churchill, sob protesto de alguns e a comemoração de muitos. Polêmico, controvertido, odiado, endeusado. Momento crucial na história contemporânea, as palavras de Churchill na Câmara dos Comuns alcançaram a posteridade e ecoam até hoje - inclusive aqui, nesse fim de mundo, numa madrugada fria de Petrópolis. "Nada tenho a oferecer, a não ser sangue, trabalho, suor e lágrimas", discursou Churchill. "Vitória a qualquer custo, vitória a despeito de todos os horrores, vitória, mesmo que o  caminho seja longo e árduo, pois sem vitória não há salvação." Já disse alguém que Churchill convocou a língua inglesa para a batalha. Seria somente uma espirituosa frase de efeito, não fosse ele tê-la vencido (a batalha, por supuesto). A despeito deste meu intróito, o livro de Paul Johnson não é sobre este momento capital (embora tudo sobre Churchill convirja para este momento único). Mas é sobre Churchill, do berço ao esquife. Não obstante, dá, naturalmente, peso fundamental a este e a outros aspectos da guerra; o que é inevitável. Dezenas de milhares de livros tratam do conflito. Li um punhado deles, inclusive sobre o personagem em questão. Mas este pequeno livro de lombada estreita tem importância ímpar. Mesmo relevando que ele não é uma biografia na acepção que costumamos esperar: são parágrafos curtos, pequenos capítulos, reflexões que se estendem, conclusões esquemáticas. Não é um texto volumoso, besuntado de detalhes. É nevrálgico, pontual. E, melhor, traz um olhar profundo e conhecedor sobre a personalidade e os feitos do biografado, que mistura História e memória. Ocorre que Paul Johnson foi público-alvo, ainda criança, dos discursos de Churchill. O escritor, guri, acompanhou a guerra pelo rádio, justo o meio pelo qual o Premier falava com o país. Johnson teve a oportunidade de, em um certo dia, no futuro, estar mesmo alguns minutos com WSC. Uau. Então o livro é também uma reverência. Atente que isto não reduz a relevância do texto, referendado pelo prestígio de Johnson como historiador e pela intimidade com que discorre sobre o biografado. Mas esta presumida ternura não faz com que ele passe a mão na cabeça do seu ídolo: os defeitos e erros de Churchill são listados de forma incisiva. Além dos mais espinafrados, Johnson acrescenta a equivocada segurança manifestada por Churchill de que os japoneses jamais seriam uma ameaça: "Uma guerra contra o Japão não é hipótese a ser considerada por qualquer governo sensato." Muitos anos depois, Pearl Harbour deu a dimensão do seu erro de julgamento. Ou como quando debochou de Gandhi, chamando-o de "faquir seminu". Este e muitos outros equívocos factuais ou de temperamento de Winston são abordados no livro. Mas, ao se falar de Churchill, o que se impõe são os grandes e fenomenais acertos. O ariano que liderou o mundo contra a maior ameaça já conhecida - o nazismo, com sua máquina de guerra e a extinção ou escravização dos não-arianos - tem uma trajetória repleta de conquistas, sobressaltos, reviravoltas e execrações. Mundo afora não é comum que se saiba sua atuação legislativa em prol da redução da desigualdade social, como a Lei do Trade Board, de 1909, que acabou com o salário miserável dos operários e impôs um salário mínimo; a Lei do Seguro Nacional, de 1911, implantando o salário-desemprego; no mesmo ano, a Lei de Minas, proporcionando condições de trabalho mais salubres para os que trabalhavam nas grutas; ou mesmo seu projeto que impedia o encarceramento infantil. Leis que mudaram a sociedade inglesa e forma replicadas em todo o mundo. Ignora-se também que foi ele quem determinou a substituição do carvão pelo petróleo como combustível básico da frota britânica e que coube a ele a criação da aviação naval, ao imaginar - e mandar executar - a possibilidade dos porta-aviões. Mas a maior contribuição do sintético texto de Paul Johnson é a descrição comentada dos altos e baixos da carreira de Churchill, fugindo dos estereótipos e dando a real dimensão deste personagem inglês sem paralelo. Seu proclamado fracasso em Dardanellos, na Primeira Guerra, é revisto. Sua atuação política entre as duas grandes guerras é pormenorizada. E sua convocação para liderar a Inglaterra e os Aliados contra a Alemanha de Hitler é destrinchada, indo do controle do pânico à reversão do rumo da guerra, bem como a administração política dos anos finais do conflito. Porém, muito mais importante é o questionamento direto do autor: "Churchill salvou pessoalmente a Inglaterra? Sua liderança foi essencial para a sobrevivência e a vitória final inglesa?"  Para responder à própria pergunta, o autor elenca dez pontos principais e disserta sobre eles pelas catorze páginas seguintes, com destaque para a Batalha da Inglaterra, em junho de 1940, o primeiro grande confronto com Churchill no poder, quando o bombardeio alemão sobre o território inglês poderia logo de início ter exterminado todo o poderio da ilha (tivesse sido bem sucedido, o plano alemão era a invasão da Inglaterra, com uma cabeça de ponte aérea em Kent ou no Sussex; face à supremacia tecnológica da RAF, cujo embate nos ares contra a Luftwaff era vitorioso na proporção de 3x1, após 90 dias de enfrentamento aberto a estratégia alemã se reduziu a bombardear Londres e outras grandes cidades inglesas à noite - se esquivando das perdas no mano-a-mano e investindo no terror da população). Dá números à efetiva presença de Churchill no front e no teatro de guerra: ainda em 1943, calculava-se que Churchill havia viajado 180 mil quilômetros desde o inicio da guerra, incluindo uma quantidade de horas voadas que ultrapassaria 14 dias, sem contar o seu um mês e pouco embarcado, em horas navegadas. Paul Johnson também abre espaço para discutir o cruel bombardeio das cidades alemãs pela RAF. Crê ele que sem o bombardeio, que enfraquecia a Alemanha e exigia forças dentro de casa, a tão celebrada vitória russa na frente oriental não teria ocorrido. Sua conclusão - nenhuma surpresa nisso, registre-se - é que Churchill foi imprescindível para o resultado final. O autor aborda ainda o período pós-45, o deslanchar da bem-sucedida carreira de historiador de Winston e suas últimas atividades na Câmara dos Comuns. Churchill, em seus anos finais, desfrutou de enorme prestígio, como comandante, estadista e escritor. Torço para que o inferno na Terra que exigiu a vinda de Winston Spencer Churchill para combatê-lo não se repita - porque neste planeta não haveremos de encontrar outro igual. Thank you, Sir.

Editora Record, 159 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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