"A Zona de interesse", por Martin Amis

quinta-feira, junho 09, 2016 Sidney Puterman

Cenário: um campo nazista de trabalhos forçados e extermínio em massa. Tempo: meados da Segunda Guerra Mundial. Personagens: oficiais alemães e prisioneiros (judeus, ciganos, poloneses, ingleses, comunistas). Narradores: um protagonista (um oficial de caráter dúbio, sobrinho do Reichsleiter Martin Bormann), um coadjuvante (o comandante do campo) e um contraponto (Szmul, chefe dos sonders, judeus que operavam as tarefas nauseabundas do campo de extermínio). Com sua narrativa fragmentada e entre frestas, Amis desconcerta o leitor. Seu texto, de um sarcasmo medido, urde uma trama onde todos sabem ou pressentem onde pisam, menos eu. Nada se desenrola dentro do esperado, nem muito menos nada deriva para o espetacular. Pior: Amis não segue sequer as próprias pistas. Somos todo o tempo guiados pela mão do autor, que nos leva da casa de Doll (o narrador coadjuvante, mas principal personagem) às caraminholas de Golo (o narrador protagonista e consciência cínica da estória), que passa o livro querendo comer a mulher do comandante, Hannah, que... Bem, aí você vai ter que ler. Como um pianista talentoso e econômico, Amis opta pelo simples, que é pleno de complexidade: relacionamentos humanos em um ambiente onde a humanidade não tem lugar. Como constatamos na leitura do posfácio, Martin Amis foi à desimportância dos sentimentos mais banais para tangenciar o mais trágico dos crimes. Ao fim de tudo, do livro e da guerra, um dos personagens vai em busca de um outro, tentando reatar o relacionamento que iniciaram entre as cercas. É rejeitado, com desdém: "Escute. Imagine que horrível se alguma coisa boa saísse daquele lugar. É isso." Pois é. Setenta e um anos depois da guerra, ainda estamos rodando por aí, com os mesmos pesadelos na cabeça. É isso.

Companhia das Letras, 391 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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