"Pavões misteriosos", por André Barcinski

quarta-feira, setembro 21, 2016 Sidney Puterman

Me agrada ler sobre música e me agrada ler sobre os anos 70. Imagine um livro que junta os dois. Foi o que fez André Barcinski, com sua obra que vai de 1974 a 1983. Legal. Eu estava lá. O livro é um picadinho com o que tem na geladeira, vai de um tudo. Algumas estórias são privilegiadas, outras entram de raspão e muitas outras são ignoradas, o que é compreensível. Ainda que ele foque na música pop no Brasil, dá um giro pelo mundo. Pouca coisa é aprofundada, e nos divertimos com fatos esquecidos ou jamais sabidos, como a música-exaltação à ditadura composta por Jorge Ben no início da década, "Brasil, eu fico" (que, embora tenha passado despercebido ao autor, é título claramente a propósito do slogan da ditadura, "Brasil, ame-o ou deixe-o"). Diz a letra de Ben: "Este é o meu Brasil, cheio de riquezas, futuro e progresso do ano 2000, quem não gostar e for do contra que vá pra..." Artistas e suas opiniões políticas. Ficamos sabendo que a maquiagem andrógina que caracterizou o grupo Secos & Molhados não foi de caso pensado, e sim porque não conseguiram lavar a cara entre a peça de teatro e o show. OK. Se non è vero, è ben trovato. Outra deles é que, com o sucesso inesperado do grupo, a Continental, em falta de matéria prima, mandou derreter 300.000 LPs encalhados, para poder prensar mais discos do quarteto. Já impagável, por impensável, é o show montado por Moacyr Franco, com a presença de artistas da década anterior, então no ostracismo, onde ele fez um libelo contra... a Rádio FM! Acreditava o cantor que a rádio FM era uma pá de cal nos artistas do passado. Neste dia lançou sua música "AM", na qual pedia dramaticamente ao próprio Deus uma solução: "Pai, teu silêncio me apavora, quero uma resposta agora, quem é que mata este gigante?" Ninguém matou, ainda bem. E ainda gerou polpudos ganhos para a indústria do jabá, tópico ao qual André dedicou um par de páginas. Há outros conhecimentos de valor inestimável. Soube então o que eu morreria sem saber, que a Sula Miranda, rainha dos caminhoneiros, é irmã da Gretchen. E também que quem tocava nos discos da Blitz era o Roupa Nova. E mais, que Roberto Carlos tramou a expulsão de Ritchie da gravadora (parece que o "rei" não era Buarque mas sempre gostou de uma banda). Neste ponto temos a inesperada estrela maior do livro: Ritchie, um inglês que nos anos 80 fez sucesso no Brasil, cantando em português. Apesar de absolutamente inexpressivo, Ritchie é talvez quem receba o maior número de linhas, umas duzentas, onde Barcinski atribui ao londrino talento e holofotes que o rapaz esteve longe de possuir. Entre os músicos medíocres abordados, há que se dizer a verdade, Ritchie não foi o único a ter destaque. Outros músicos de terceiro time ganharam profusão de parágrafos, enquanto nomes que marcaram a música dos anos 70, como Zé Rodrix e seu rock rural, são citados somente a reboque do comentário sobre outros artistas. Outro abundantemente desprezado é Sergio Sampaio, que apareceu muito bem na cena artística da primeira metade da década, mas que o livro sequer citou ter nascido. Porém, como falei na abertura, tema tão amplo não poderia ser imune às lacunas e aos senões. Mas que ver o Ritchie como "o grande astro boicotado" é ruim de engolir, lá isso é...

Editora Três Estrelas, 239 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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