"Guerra em surdina", por Boris Schnaiderman

quarta-feira, dezembro 07, 2022 Sidney Puterman


A Segunda Guerra Mundial foi uma tragédia europeia que infernizou a maior parte do seu território e teve sérias consequências nos demais continentes. No nosso, a América do Sul, apesar de ser o mais distante do epicentro, ninguém esteve tão envolvido quanto o Brasil. Por questões estratégicas (o tamanho e localização da sua costa), étnicas (o largo contingente de imigração alemã) e políticas (os diversos e intercambiáveis interesses da ditadura do Estado Novo), ocupamos destaque permanente na pauta sul-americana do conflito.

Tivemos, inclusive, participação direta e ativa: já nos meses finais do evento, com a Alemanha inapelavelmente derrotada, mandamos alguns milhares de soldados para desembarcarem em uma região desimportante e com o desenlace assegurado. Sempre sob tutela norte-americana, nossos homens oscilaram entre a desorganização e o frio, entre o ócio e a morte. 

Temos uma vasta oferta de relatos ufanistas da nossa contribuição. Natural. Foi justamente para isto que fomos até lá. Por irônico que possa parecer, o único interessado na presença brasileira no teatro de guerra era o governo brasileiro. Os Aliados fizeram o possível para nos demover de nossa oferta solidária. Seríamos muito mais um problema do que uma solução. Mas Getúlio Vargas e a cúpula do Exército nacional bateram pé: se os nossos pracinhas não desembarcassem em solo europeu, nada de base aérea em Natal para os americanos.

A chantagem funcionou. Afinal, os políticos que a costuraram não iriam meter o pé na lama, levar tiro e congelar na neve. Iam mandar nossos rapazes cumprir este papel.

João Afonso, o alter ego de Boris Schnaiderman, era um deles. O autor, um judeu brasileiro-ucraniano que lutou como pracinha da FEB na Itália, se celebrizou mais por suas traduções de Dostoievski, Puchkin, Tchekhov e Tolstoi (foi o primeiro a verter "Os irmãos Karamazov" diretamente do russo) do que por sua própria obra. Este seu "Guerra em surdina", independentemente da qualidade literária - que possui -, traz uma narrativa rara do período de convocação para a guerra, da espera e do trajeto Rio-Nápoles, e também da chegada dos pracinhas no retorno ao Brasil.

Passagens que não encontramos nas fontes mais corriqueiras. Pouco se escreveu sobre o período de convocação, de "treinamento" ainda em solo brasileiro, do moral da tropa. Só isso já vale a leitura.

O autor, Boris Schnaiderman, judeu, ucraniano, brasileiro, tradutor, pracinha, escritor, faleceu em 2016, em São Paulo, aos 99 anos.

Cosacnaify, 255 páginas (4a edição, revista pelo autor)  |  1a edição 1964


Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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