"Leonardo da Vinci", por Walter Isaacson

quinta-feira, janeiro 28, 2021 Sidney Puterman

 


Biografia correta e bem decupada de um dos maiores ícones da história da pintura. Consistente, a leitura flui e a proposta do biógrafo, Walter Isaacson, é funcional, alternando temas e ilustrações com critério. O resultado obtido, saboroso e de fácil digestão, não é à toa: Isaacson é calejado no assunto e assinou as biografias de Benjamin Franklin, Albert Einstein, Steve Jobs e, enfim, esta, de Leonardo - a mais recente. Temos, portanto, um autor especializado em biografar gigantes e apresentá-los não só em seus momentos de gênio, como também em suas particularidades pessoais. Como bem enfileira os fatos o biógrafo, a trajetória do artista, filho bastardo de um tabelião bem situado, foi linear e bem-sucedida. O fato de ter sido gerado fora do matrimônio lhe privou do reconhecimento oficial, mas não lhe impôs exclusão social. Arranjou-se um casamento da mãe do pintor e seus avós o criaram. Cedo começou a pintar e foi trabalhar em um atelier de produção quase industrial, onde rapidamente se desenvolveu. Assim que seu talento começou a lhe granjear alguma reputação, saiu da oficina do mestre e patrão e montou a sua própria. Durante toda a vida esteve sempre em posições social e profissionalmente confortáveis - algumas mais, outras um pouco menos. Homossexual discreto, vegetariano assumido e um postergador por natureza, Leonardo logo ficou conhecido pelas suas obras inacabadas e suas comissões jamais entregues. Protegido por muitos dos nobres mais temidos do seu tempo, Leonardo teve por mecenas os Sforza, os Borgia, o papa e outros italianos menos afamados, mas com bolsas igualmente polpudas. Entretanto, foi um francês - e também o último dos seus patrocinadores milionários -, o rei François I, quem mais o enalteceu e quem, diz-se, esteve ao pé do leito do artista no momento da sua morte. Diz-se. Lógico que, como falamos de um personagem que esteve no planeta há meio milênio, tudo é cercado de muita imprecisão; e os fatos, em si, que possam costurar as minudências da sua vida comezinha pari passu com suas criações monumentais são porcamente sabidos. E é daí que vem o pior da biografia de Isaacson: se o seu trabalho de pesquisa é inequivocamente competente, a narrativa que resultou do astuto encadeamento dos temas fica o tempo todo em banho maria. Nem lá, nem cá. Eu ousaria: insossa. Sim, do que reclamo? o tempero do talento de Leonardo é suficiente para dar sabor a qualquer prato - mas a gente se ressente de um envolvimento maior com os pormenores da vida do pintor, já que estamos lendo uma... biografia. A leitura é fria e a descrição é enciclopédica. Não seria demasiado chamarmos a edição de uma sucessão de verbetes sobre um mesmo sujeito, com 634 páginas reunindo dados e reproduções. Com isso, a leitura agrada, mas não empolga, o que é um senão grave. Porque a narrativa sobre um artista completo, um inventor séculos à frente do seu tempo e um anatomista pioneiro tem por obrigação entusiasmar o leitor diletante. Ora se não. Muito mais que o pintor que passou para a posteridade, Leonardo foi o medium de um mundo ainda não existente. Sua ânsia em desenhar uma civilização ainda impensada (literalmente) fica clara na sua paixão obsessiva pela engenharia militar, mesmo sendo, em tese, um pacifista: sua primeira proposta a qualquer um dos figurões que o contrataram foi sempre a de aprimorar defesas, desenvolver armamentos, estipular um novo planejamento urbano, desviar o curso dos rios, distribuir jardins - atacando, defendendo, entretendo, gerando energia e beleza. No livro do experiente Isaacson o leitor terá todos estes itens metodicamente relacionados, ordenados como num extrato bancário. Vez por outra, o autor insere algo mais peculiar, como sua relação de gato e rato com a nobre Isabella d'Este, riquíssima, que passou anos mendigando uma pintura do mestre, em vão (se alguém queria deixar o Leonardo da Vinci mal-humorado, bastava pedir para ele pintar). Mas, à parte os senões, o autor nos presenteia com uma minuciosa descrição da evolução, do estilo e das obras do grande artista florentino. Acompanhamos em minúcias os detalhes de criações icônicas, como "A última ceia", "Homem vitruviano", "Salvador Mundi", "São João Batista", "Madona do fuso", "Leda e o cisne", "Dama com arminho", "A virgem e o menino com Santa Ana", "Retrato de uma jovem noiva" e, lógico, a "Mona Lisa". Um mero passeio pelo processo de confecção destas obras-primas já é suficiente para valer a leitura e garantir um bom lugar na estante para este trabalho de Isaacson. Sem sombra de dúvida, uma edição para divertir e ilustrar.

Mas, cá pra nós, ainda está por surgir, neste século, uma biografia à altura de Leonardo da Vinci.

Intrínseca, 634 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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