"Churchill, o jovem titã", por Michael Shelden

sábado, novembro 15, 2014 Sidney Puterman

Como o giro do ponteiro do relógio, cujo movimento circular faz do tempo imensurável um espaço perfeito, o percurso realizado por Winston Spencer Churchill desenha uma circunferência irretocável: partiu dos píncaros, rolou dentro do abismo e, ainda que girando em sucessivos saltos carpados, atado às pás de um moinho imaginário, desceu, subiu e atingiu - coberto de glória - o topo supremo. A parábola circunscrita (que metaforizo) também seccionou seu avanço em quadrantes: se o destemido aventureiro auto-retratado de "Minha mocidade" construiu o primeiro quarto de um círculo completo, o segundo dos quatro gomos dessa meia esfera nos chega pelas mãos de Michael Shelden, que o recorta para os leitores indóceis. A fatia oferecida pelo autor traz apenas 15 anos de uma longa e atribulada vida. Ainda assim, não duvido seja esse o trecho mais nuançado da biografia desse impetuoso cavaleiro. Você pode aqui desfrutar da sua convivência e, vez por outra, olhar em seus olhos (na capa, ele nos mira com triste e solitária gravidade). Eu olho. Me surpreendo sejam tão poucos, por aqui, a olhar. Pasmo, diante dos seus feitos para o mundo, me indago - como pode esse sir ter seus feitos tão pouco sabidos? Que sociedade é essa, a qual pertencemos, que desconhece seus melhores e idolatra seus idiotas? Frente à sua gigantesca relevância, me estarrece a indiferença soberba a ele dedicada. Porque eu, tacanho, quanto mais leio sobre o gajo, mais me espanto. Mais me fascino. Mas chega de reverência. Vamos ao livro, que nos traz um Churchill anterior à sua vitória na Segunda Guerra Mundial; aliás, muito pelo contrário, nos apresenta o Churchill derrotado e ridicularizado da Primeira Grande Guerra. O enfant terrible destronado e alvo de deboche; o precoce líder revelado uma impostura. O talent... Desculpem-me. Me adianto - esse que conto é o fim do livro. Meras dez páginas finais. O que o autor nos oferece nas trezentas e vinte páginas precedentes é a performance e a ascensão meteórica de WSC na política inglesa, pouco anos após sua estréia como soldado, jornalista e escritor. Shelden é britanicamente mordaz em relação ao próprio biografado, e traça um colorido painel dos primeiros quinze anos da vida parlamentar de Winston Churchill, entremeado com suas geralmente mal-sucedidas peripécias amorosas - uma espécie de edição especial de Caras sobre a juventude de WSC. Fala das influências recebidas, abrindo lauto espaço para a exótica mãe de Churchill, Jennie, uma ardente, atrevida e insaciável americana que, entre outros consortes mais e menos bem dotados de atrativos vários, foi casada com Sir Randolph Churchill, pai e ídolo do nosso (meu, ao menos) herói. Winston chegou à Câmara com fama de gênio. Suas realizações, com meros 25 anos de vida, fizeram dele conhecido (e, na maioria das vezes, admirado) em todo o Reino Unido. O vaticínio é que ele seria um dos grandes - e o foi, de fato. Com menos de 40 anos, já era o Primeiro Lord, subordinado apenas ao Primeiro Ministro. Em 1911, brilhantemente antecipou como se daria a guerra entre os alemães e as outras nações, três anos antes que ela acontecesse - circunstância que ele era um dos poucos, então, a apostar. Previu avanços e retrocessos, terrenos e combates, escaramuças e acordos. Estava sempre à frente. Mas não é tarefa simples estar à frente dos demais - e nem sempre se acerta. O livro é a coleção de erros e acertos de Churchill no período retratado, nos ajudando a entender a ele e ao mundo do seu tempo. Mostra como ele gestou, aprovou e implementou leis trabalhistas que até hoje trazem impacto positivo à sociedade. Exibe embates e negociações no ambiente político, que resultam na sua escalada rumo aos postos mais importantes da vida pública. Revela o comandante destemido que, já na liderança do país, se tornou piloto de combate e que também liderou tropas estrangeiras, no front, em uma Bélgica invadida. Radiografa o contexto em que, no primeiro ano da guerra, se deu o fracasso de Dardanellos, sua demissão desonrosa e sua prematura condenação a uma vida no limbo. Para quem conhece a trajetória do futuro Primeiro Ministro inglês que se tornou um mito, 30 anos depois, e também para quem leu sua autobiografia sobre sua precoce formação no teatro de guerra, 20 anos antes, "O Jovem Titã" é o elo perdido para se entender a personalidade de um herói ímpar.

Globo Livros, 324 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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