"Steve Jobs", por Walter Isaacson

quarta-feira, junho 20, 2012 Sidney Puterman


Trata-se de um best seller – como é praxe acontecer com biografias lançadas enquanto se fecha o caixão do eternizado. A mídia aumenta os feitos, humaniza a figura e produz uma overdose de exposição que, por sua vez,  gera comoção generalizada e o impulso da compra. As pessoas adquirem a edição para consumo próprio ou para dá-la de presente. O livro vira um “must” e fica “in”. Em qualquer botequim há alguém que “leu” o livro e dá pitacos – mas parece que não botou os olhos em um parágrafo sequer. É  “leitor” que se resume a folhear o livro, largá-lo debaixo da TV e esquecê-lo ad perpetum (e caprichar num ou noutro comentário genérico, reproduzindo, na maior cara de pau, algum clichê ouvido). Porém, é conversa que não rende: não dá para sintetizar com lugar-comum de almanaque o sinuoso perfil que é decupado ao longo de 600 páginas. Jobs é… não, Jobs não é. É encruado dizer o que ele é. Ele é o oposto, porque se esmera na contradição. É o zen estressado. É o emotivo insensível. É o herói babaca. É o destemido bundão. É o idiota genial. É o rejeitado adotado que rejeita a filha. É um sujeito com carradas de imperfeições escrotas; é um iluminado. Um obcecado. O cara que viu a luz do mercado de consumo tecnológico e a seguiu, intimorato, a vida inteira. O livro preferido de Jobs era “Auto-biografia de um iogue”, famosa obra de Paramahansa Yogananda (li duas vezes, é bom) que relata a busca do autor pelo guru, pelo orientador supremo. Sei lá porque Jobs gostava do livro – deve ser por causa da idéia fixa do guri. Jobs tinha uma idéia fixa. Ele acreditava na perfeição. No minimalismo. Na simplicidade. Nos cubos e retângulos de cantos arredondados. Nas caminhadas. Nos esporros que reduziam o obsequiado a uma ameba. Na intersecção entre arte e tecnologia. No controle da experiência do consumidor. Nas paredes de vidro e escadas flutuantes. Na demissão humilhante. Nos sucos de cenoura. Na mentira. No seu campo de distorção da realidade. No seu messianismo. Nas suas escolhas. Fossem conceitos, pessoas ou designs. Ele escolheu bem até o biógrafo. O cara escreve fácil. O livro é ótimo. E essa escultura de Walter Isaacson, talhada pelas idiossincrasias do fundador da Apple, mostra que Steve Jobs era um babaca. E a revolução que ele causou no mundo mostra que ele era um gênio. Nenhum de nós é uma coisa só.

Companhia das Letras, 604 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

0 comentários: