"Os Guinle", por Clóvis Bulcão

domingo, agosto 16, 2015 Sidney Puterman

A história da corrupção no Brasil. Ou "Os Guinle: como uma licitação nebulosa e biliardária enriqueceu cinco gerações, até sua falência 100 anos depois". Conhecer a trajetória da família é testemunhar que o interesse privado e o poder público sempre estiveram pornograficamente misturados no Brasil. Ainda que nem de longe Bulcão queira destacar esse aspecto - justiça se faça ao autor, sempre zeloso no enaltecimento aos Guinle -, o que salta aos olhos é como a conivência público-privada abre portas, permite facilidades e cria fortunas nababescas. Ponto de partida da riqueza dos Guinle, a forma como estabeleceram a criação da Companhia das Docas do Porto de Santos, em fins do século XIX, é eloquente. Suas licitações, conturbadas e suspeitas, e a dilatação da concessão original de exploração de 39 para 92 anos (na calada da noite) falam por si mesmas - revelando que, fosse no Império ou na nascente República militar, tudo terminava bem para aqueles que tinham acesso franqueado aos poderosos. Frise-se que Bulcão não teve momento algum por objetivo a produção de um livro investigativo ou crítico; do que a obra e principalmente, nós, leitores, nos ressentimos. É assumidamente uma hagiografia. Um álbum de família. Monocórdia, a narrativa expõe de forma organizada a atuação pública dos principais integrantes do clã, sempre sob o ponto de vista dos Guinle (há vezes em que Clóvis ameniza esse viés, informando que um ou outro filisteu tinha restrições à honestidade de alguma transação). O ménage à trois de Eduardo Guinle, Cândido Gaffrée e Guilhermina Silva, que teria sido a origem dos 7 filhos, é mais anunciado do que explorado. Após uma sucinta menção, não se explicou, nem se falou mais nisso (os comentários feitos pelo próprio Bulcão na divulgação do livro são mais extensos do que os incluídos na obra). Já a visão do autor quanto à economia e aos malfeitos do grupo é simplista, mais de uma vez interpretando por correção aquilo que muito se assemelha à velha corrupção. Além da incontida enxurrada de elogios, há apologias inusitadas, que destacam a falta de isenção do texto além do que permite a boa etiqueta bajulatória. Mas as elegias não escondem o principal: o compulsivo desperdício de moeda sonante (de origem pública, como nem o autor nega) é a tônica dos Guinle, que, por isso, acabaram desimportantes e falidos, depois que deixaram esgarçar os dutos de suborno que por décadas asseguraram a prosperidade do sobrenome. Quando o golpe militar de 64 se instalou, perderam os acessos às facilidades governamentais e não sabiam como nem a quem comprar (não que não estivessem à venda...) O mecenato que um ou outro protagonizou, e que tantas loas espalhafatosas recebe, seria muito para um pobretão, mas é irrelevante frente à montanha de dinheiro que acumularam. Jorginho Guinle, famoso por suas conquistas, acaba rebaixado a corno - e ainda faz de Marylin Monroe uma puta, ao revelar que pagou por um programa com a futura estrela, quando ela, ainda jovem, sonhava com uma carreira em Hollywood. Guilherme Guinle, talvez o único não esbanjador da família, era chamado carinhosamente pelo próprio Jorginho de "Gaylherme". Apesar da candura com que Clóvis esforçadamente delineia seus parágrafos bem postos, a substância dos Guinle é frágil. Quanto ao formato escolhido, de dar a cada um dos principais Guinle um capítulo à parte, traz um pouco de confusão à leitura, mas ajuda a afirmar a desimportância pessoal de cada um deles. No tocante ao livro em si, a opção tipográfica é estética, mas pouco funcional (vide os números, de tamanho desproporcional). A capa não encanta. Mas, embora todos os senões sejam verdadeiros, o texto do autor é agradável e o passeio pela história do Rio é sempre proveitoso. Pena que rasos - tanto o passeio, quanto a propalada "dinastia" que é subtítulo da obra. Bulcão, generoso, doura a pílula dos Guinle. Mas, se a fortuna (enquanto durou) era verdadeira, o ouro com que essa pílula foi revestida é descaradamente falso.

Intrínseca, 253 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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