"1889", por Laurentino Gomes

sexta-feira, dezembro 04, 2015 Sidney Puterman

Amanhã faz 124 anos que D. Pedro de Alcântara, Imperador do Brasil, morreu em Paris. A data é pouco lembrada. Mesmo em sua cidade, na região serrana do Rio de Janeiro, temos menos referências do que o desejado. Por isso, é extremamente bem-vinda a obra de Laurentino Gomes, sobre a mudança de regime da nação. Em um Brasil em crise, nos permite voltar no tempo para um... Brasil em crise. O paralelo é inevitável, porque o país parece vítima da síndrome "feitiço do tempo", filme estrelado por Bill Murray, onde o personagem principal, um repórter de TV, acorda todo santo dia no mesmo dia idiota. Pelo noticiário, aqui não é diferente. O nosso conselho de ética não possui ética nenhuma. A nossa polícia acolhe os bandidos e mata a população. O assessor do prefeito esmurra a mulher e o governador diz que vai pro pau pra defendê-lo. Estelionatários mentem fazendo pose de estadistas. São ou não dias idiotas? Laurentino nos convida a mergulhar em idiotices passadas - as temos, às carradas, e determinantes. Quem acompanhou os recentes lançamentos do autor deve ter percebido. Depois do ótimo "1808", lançado na onda das comemorações dos 200 anos da chegada da corte portuguesa ao Brasil, e do bem menos empolgante "1822", o jornalista e escritor voltou a acertar a mão. Seu terceiro e último (?) livro da série é uma viagem ao coração político do País, pelas veias entupidas do século XIX, onde corria, por aqui, o sangue azul da família imperial. "1889" conta como este balão ornado de lantejoulas pegou fogo e desabou no mar. Porém, por tudo que a envolve, esta súbita derrocada é um evento menos celebrado e investigado do que as óbvias consequências para o destino do País exigiriam. Uma data no vácuo da História. Um buraco negro de decisões estapafúrdias, no qual Laurentino se enfia e, na volta, traz uma sumarenta reportagem, nos brindando com uma compacta enciclopédia sobre o Século das Luzes (visto das serras de Pindorama). No seu carrinho de mão, além da efeméride, estão Petrópolis, o positivismo, a abolição e os abolicionistas (e, lógico, a escravidão), a Guerra do Paraguai, os meandros da família imperial, as questões militares, os maragatos e os pica-paus, o Encilhamento, o duelo entre o presidente e o ministro da Guerra, Canudos, o vice que tentou matar o presidente, a "república dos governadores" - cada um destes temas dono do seu pedaço de capítulo, de algumas glebas ou mesmo de um latifúndio inteiro. Apoiada neles, a obra discorre sobre a deposição do Império. Porque revolução, de fato, não houve. O povo não se revoltou (pelo contrário, mal sabia o que se passava). O país, na essência, além do apelido do regime, pouco ou nada mudou com a República proclamada. Tanto que, apenas um mês depois do golpe militar que exilou D. Pedro II, até então Imperador do Brasil, o ex-senador Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso, mandou, de Goiás, um telegrama para o filho Joaquim Inácio, alferes do Exército e ativo participante da Proclamação da República: "Vocês fizeram a República que não serviu para nada. Aqui agora, como antes, continuam mandando os Caiado." Ô sina. O golpe em si foi mais uma dessas bizarrices das quais o País é tão pródigo. Deodoro, quem a proclamou, era monarquista. A ponto de, ao proclamá-la, dar um inusitado "Viva o Imperador!" Ao ir para  a cama, pensava ter feito com que D. Pedro II destituísse um Ministério e o substituísse por outro, mais do agrado do Exército. Mas havia outros personagens no picadeiro. A ópera bufa em curso, de um lado protagonizada por um professor de matemática de pouco mais de um metro e meio - Benjamin Constant - e do outro personificada, à revelia, por um gaúcho embarcado, e alheio ao que se passava - Silveira Martins -, inimigo de Deodoro da Fonseca, iria resultar, em poucas horas, na definitiva e irrevogável queda do Império. O passa-fora dado no Imperador mancha nossa História e nos cobriria de vergonha, acaso a tivéssemos. Não que fosse D. Pedro de Alcântara o líder necessário. É que os outros também não o eram, e, estivesse ou não a Monarquia com sua data de validade vencida, o respeito com quem por 49 anos governou o Brasil esteve em falta, na noite de 16 para 17 de novembro de 1989. Por isso, ler a justa narrativa de Laurentino me provoca reviravoltas no estômago. Expelida a família imperial para além-mar, o autor nos narra a bateção de cabeças republicanas, o cordão dos puxa-sacos e os revolucionários de ocasião. Os primeiros instantes da República foram vexaminosos, como vêm sendo também os últimos. Dá para imaginar os próximos.

Globo Livros, 415 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

2 comentários:

  1. Obrigado, prezado Sidney. Uma honra para mim merece uma resenha no seu blog. Um grande abraço. laurentino

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    1. Laurentino, eu e o blog é que agradecemos a sua presença aqui. Muito obrigado pelo carinho e pela moral. Abração!

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